*Por Enio Pontes de Deus
Alguns aspectos passaram de certa forma desapercebidos nesse debate em torno da proposta de Reforma da Previdência, enviada pelo Governo Federalao Congresso nacional no final de 2016. Um fator relevante e decisivo é, sem dúvida, o perfil dos idosos no Brasil. Esse perfil tem mudado muito, sobretudo nos últimos 30 anos, em razão das políticas de saúde e prevenção que vêm sendo adotadas pelo poder público.
A legislação identifica como idosa aquela parcela da sociedade que está na faixa etária acima dos 60 anos. Para se ter uma ideia, esse público representa atualmente 11% da população brasileira e a expectativa é de que em 30 anos suba para 16% do total da população, segundo o IBGE. Há também uma elevação na expectativa de vida que atualmente é de 72 anos.
Por definição, a aposentadoria é aquele período da vida onde o trabalhador, após 35 anos de contribuição ou 65 anos de idade, pelas regras atuais, poderá usufruir do chamado descanso remunerado –quando, “em tese”, haveria uma melhora na qualidade de vida. Para buscar consolidar esse ideal de aposentadoria, foi criado o “Sistema de Seguridade Social”, que abrange as áreas da saúde, previdência e assistência social.
Todavia, justamente quando os brasileiros estão envelhecendo e poderiam usufruir dos benefícios do descanso remunerado, a Reforma da Previdência apresentada pelo Executivo busca, ao contrário, dificultar o acesso das pessoas à aposentadoria e empurrar de volta esse contingente ao mercado de trabalho. Se há uma concorrência enorme por uma vaga de emprego entre a população economicamente ativa, para os idosos a situação é ainda mais dramática.
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), no último trimestre de 2016, 502 mil idosos estavam desempregados. Dos 6,5 milhões de idosos em atividade no Brasil, de abril a junho de 2016, 171 mil estavam fora do mercado formal de trabalho. O maior índice de desemprego é evidenciado entre pessoas com 50 a 65 anos de idade.
É importante destacar que nesse período também podem surgir doenças associadas ao envelhecimento, como pressão alta, diabetes, problemas ortopédicos etc, que necessitam de cuidados e dinheiro para a compra de remédios e tratamentos. Ao invés de reconhecer e valorizar o trabalho dessa parcela da população, que conseguiu alcançar essa etapa da vida, a Reforma da Previdência visa ampliar o tempo de serviço das pessoas e, consequentemente, diminuir o tempo de aposentadoria. Na prática, as pessoas viverão apenas para trabalhar, ainda que contribuam para a Previdência.
Serão especialmente afetadas negativamente pela Reforma da Previdência aquelas pessoas que estão entre os 50 e 60 anos, e que serão enquadradas nas “regras de transição”. Essas regras não levam em consideração as diferenças entre tempo de contribuição e de idade. Do ponto de vista macroeconômico, a manutenção dessa parcela de idosos no mercado de trabalho ajudará a elevar o nível de desemprego, além de impactar as contas de muitos pequenos municípios que mantém suas economias em torno dos recursos oriundos das aposentadorias rurais.
A tarefa do Governo Federal é adotar um ajuste fiscal duro, por meio de reformas prejudiciais aos interesses coletivos, como a da Previdência Social, visando garantir o superávit primário, não para investir no Sistema de Seguridade Social, mas para pagar os juros e a amortização da Dívida Pública.
O Executivo pretende diminuir os gastos de 22% para 19% da Previdência Social e ampliar os gastos com a Dívida, que pulará de 42,43% para 50,66% em 2017. Recursos esses que alimentam o Sistema Financeiro, já bastante irrigado com recursos públicos.
Qualquer ajuste ou reforma que venham em benefício da sociedade sempre serão bem-vindas. Não pode ignorar que há a necessidade mudanças de rumo na economia para que ela volte a crescer. Mas é preciso ficar claro que conquistas sociais importantes e históricas não podem sucumbir diante do interesse econômico de poucos. Com responsabilidade e espírito público é possível buscar soluções eficazes para a retomada do crescimento econômico. Sem, todavia, sacrificar ainda mais os idosos e a sociedade em geral.
*Enio Pontes de Deus é Engenheiro Civil, professor da UFC, secretário-geral da ADUFC-Sindicato e coordenador estadual da Auditoria da Dívida Cidadã.