O ano iniciou-se com a promessa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de alcançar a meta de déficit fiscal zero no país, manifestação que vai ao encontro dos anseios do sistema financeiro e dos setores ultraliberais do Congresso Nacional. Apesar de o presidente Lula já ter deslegitimado a proposta publicamente, movimentos sociais e sindicais devem estar atentos a um cenário de austeridade nas contas públicas, especialmente em um contexto sem previsão de reajuste salarial para servidores públicos federais em 2024. Na análise de docentes ouvidos pela ADUFC, este é o momento de ampliar os gastos públicos e a renda das camadas trabalhadoras, além de rever políticas financeiras que privilegiam grupos minoritários das classes dominantes.
O Prof. Fábio Sobral, do Departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que há dois déficits a serem considerados: o financeiro e o público, este último referente a gastos governamentais. “O primeiro ninguém discute, que é essa dívida pública com altíssima taxa de juros, a maior taxa de juros real do mundo mantida pelo Banco Central”, destaca, lembrando que esses recursos, os quais consomem metade do Orçamento federal, não trazem resultados sociais, políticos e de melhoria na qualidade de vida da população. “Essa meta é mantida com interesse dos setores especulativos financeiros”, explica.
Economista da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), Rodrigo Ávila lembra que sobra apenas 11% do Orçamento da União para todas as transferências a estados e municípios. Ele defende uma auditoria da dívida pública, interna e externa, com participação social. “Não bastam auditorias do TCU ou CGU. Até porque essa dívida afeta estados e municípios; professores e professoras não têm reajuste atendido, plano de carreira, porque metade de todo o Orçamento federal vai para pagamento de juros e amortização dessa dívida enquanto os servidores não têm sua reivindicação atendida”, ressaltou o especialista em entrevista ao ANDES-SN. “A dívida pública, que já foi paga várias vezes, sempre é colocada como instrumento de chantagem”, critica.
Sobre o segundo déficit – o da máquina pública e dos gastos sociais –, o Prof. Fábio Sobral (UFC) avalia como equívoco ele ser fixado em zero. “O ministro Haddad está numa situação de um Congresso absolutamente conservador e uma imprensa majoritariamente defensora dos princípios neoliberais e comprometida com as injustiças sociais. E esses grupos exigiram o cumprimento da meta de déficit zero mesmo que o governo não consiga atingi-la, já que ele precisa inclusive ampliar os gastos”, aponta. O docente também defende a valorização da renda das camadas trabalhadoras e dos pensionistas através do salário mínimo para incentivar o consumo e fazer a economia funcionar. “O governo precisa dar esse ponto inicial para que a economia saia desse ponto de estagnação”, enfatiza.
Dogma do déficit zero amplia corrosão inflacionária dos salários dos trabalhadores
Na opinião da presidenta da ADUFC, Profª. Irenísia Oliveira, o governo federal não pode comprometer os direitos sociais do funcionalismo público às custas de políticas que vão ao encontro das elites financeiras. “O Ministério da Fazenda de Haddad está bancando a redução de salários de servidores públicos, via corrosão inflacionária, enquanto se amarra no dogma do déficit zero. Um governo progressista deveria aproveitar as energias de suas bases sociais para mudar paradigmas e abrir novos possíveis, fortalecer-se com a classe trabalhadora e não abandoná-la”, analisa.
Quando se tem como base histórica políticas de austeridade implantadas pela direita, extrema direita e setores neoliberais comprometidos com a concentração de renda, essas iniciativas sempre ameaçam as políticas sociais. “Eles pensam justamente assim: vamos cortar as políticas sociais, a pobreza é inevitável e nós precisamos reservar dinheiro para o pagamento da parte financeira. Eles estão trabalhando pelos seus interesses de classe, seus interesses particulares de aumento do seu capital”, salienta Fábio Sobral. Ele também pondera que ainda é incerto se o governo adotará de fato políticas austeras, já que o primeiro ano de governo Lula não sinalizou para esse caminho, segundo avalia. “Uma política de um governo de esquerda precisaria imediatamente reduzir os juros e a principal taxa, que é a Selic, que corrige cerca de 50% da dívida pública nacional. É preciso cortar esses mecanismos de juros extorsivos pagos pelo governo federal e usar parte das reservas em dólar para a melhoria da vida da população”, sugere.
Outro aspecto que amplia a concentração de renda no país, conforme o docente, é a política de isenções a grandes corporações. “Depois precisaria tirar uma série de isenções, como o governo está apresentando, e de tributos que as empresas recebem. Essas isenções concentram renda e, quando elas (empresas) conseguem isenção, não reaplicam esse valor gerando emprego”, diz. “O governo também deveria implantar programas cada vez mais amplos de auxílio: agricultura orgânica, agrofloresta, recuperação de áreas degradadas, de fontes de água, de cursos de rios e lagos e lagoas, preservação de florestas, tendo em vista que teremos um mundo cada vez mais quente e mais seco”, complementa.
No centro do debate sobre a redução das desigualdades sociais está a taxação de grandes fortunas e uma reforma tributária verdadeiramente democrática. “O governo precisa taxar os mais ricos e isentar os mais pobres, inclusive elevando as isenções cobradas das camadas médias, médias baixas e baixas no Imposto de Renda. Isso promoveria uma justiça tributária maior com correções de tabelas nos impostos”, justifica. A ADUFC seguirá firme na defesa de um Estado democrático comprometido com a justiça social e os direitos das classes trabalhadoras.