(Foto: Viktor Braga/UFC Informa)
A graduação em Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC) ganhou evidência na última semana após denúncias de docentes e estudantes a respeito da perseguição institucional e teórica da direção do Centro de Ciências Agrárias (CCA) a professores que participaram da fundação do curso. Também há relatos de desvirtuamento da concepção original do projeto da graduação, que enfrenta desde 2015, quando foi instalada oficialmente, outros percalços, como infraestrutura precarizada, fragmentação das disciplinas em outros departamentos e falta de concurso público e de um quadro permanente de docentes.
“A principal concepção inicial do curso era romper com a economia tradicional, que considera a natureza como algo acessório, simplesmente como recursos naturais para a produção. Não compreende a natureza em si mesma nem entende que a atividade econômica deve estar adequada aos limites planetários”, explica o vice-coordenador do curso, Prof. Fábio Sobral, que renunciou ao cargo no último dia 7 de novembro após uma série de “violências institucionais e teóricas” que sofreu da Direção do CCA. Ele é lotado originalmente no Departamento de Teoria Econômica (FEAAC/UFC), que autorizou a ida do docente para a Economia Ecológica com carga horária extra e já concordou com a remoção completa dele em troca de uma vaga aberta de concurso – que nunca chegou. “O principal problema enfrentado pelo curso é o autoritarismo, a profunda argumentação burocrática acima dos interesses científicos, acadêmicos, universitários e humanos”, diz.
Situação semelhante vivenciaram outros docentes do DTE, a exemplo do Prof. Aécio Oliveira, um dos idealizadores da graduação em Economia Ecológica. Antes mesmo da criação do curso, ele já havia coordenado um projeto de extensão universitária sobre o tema com grande adesão à época. Ao se aposentar, em 2021, formalizou solicitação para continuar a lecionar e contribuir com o curso de Economia Ecológica, como professor voluntário, enquanto não fosse realizado concurso específico para a área. Apresentou a proposta ao colegiado do curso, que aprovou por unanimidade e encaminhou para a Diretoria do CCA. Seriam três disciplinas ministradas, que ele já lecionava anteriormente, e um projeto de captação de bolsas para estudante. Em vez de analisar a proposta, que não traria quaisquer encargos para a universidade, a Diretoria encaminhou para a FEAAC e para a reitoria interventora; esta, por sua vez, respondeu não haver interesse da instituição, ignorando a decisão do colegiado do curso.
Irregularidades administrativas e prejuízo à formação de estudantes
Do ponto de vista administrativo, Aécio Oliveira aponta irregularidades no processo, já que o pedido nunca foi concluído. Enquanto isso, o docente que participou da formulação do curso segue impossibilitado de voltar à sala de aula, o que é lamentado por professores e estudantes. A graduação em Economia Ecológica foi criada oficialmente no contexto de reestruturação do antigo Departamento de Economia Doméstica (DED), que se transformaria em Departamento de Estudos Interdisciplinares (Deinter). Este passaria a ser o principal ofertante das disciplinas da matriz curricular dos dois cursos recém-inaugurados: Gestão de Políticas Públicas e Economia Ecológica. Aécio foi um dos quatro professores que compuseram a comissão de reestruturação do DED e, consequentemente, da EcoEco.
São muitos os desafios enfrentados pelo curso de Economia Ecológica da UFC. Diante das particularidades das áreas de estudo, a graduação carece de um quadro mais estruturado de docentes, o que seria resolvido por meio de concurso público. Estudantes enfrentam a escassez de infraestrutura, como a falta de acesso ao laboratório de informática durante as aulas noturnas, porque não há funcionários disponíveis. Entretanto, o maior desafio hoje é o ataque à concepção original do curso – de natureza crítica e inovadora, que questiona o crescimento econômico ilimitado às custas dos recursos naturais – estes, sim, finitos, ao contrário do que quer fazer crer o capitalismo.
Os professores alertam para as consequências do desvirtuamento do projeto. “A primeira delas é tirar do mapa um curso de formação em nível graduação na Universidade Federal do Ceará, tirar do mapa essa possibilidade de formarmos profissionais engajados, que amam a natureza, que amam a nossa casa comum, a pátria mãe, como fazem quilombolas, indígenas e povos ancestrais”, reflete Aécio Oliveira. “Com o afastamento desses professores, os estudantes já estão inicialmente prejudicados do ponto de vista pedagógico, acadêmico. Também há um prejuízo imenso porque os estudantes sofrem a violência burocrática cotidiana da Diretoria, que não aceita o diálogo, que não ouve ideias, que não permite ser questionada”, acrescenta Fábio Sobral.
O Centro Acadêmico Georgescu-Roegen manifestou-se sobre a perseguição ao Prof. Fábio Sobral e exigiu respostas da gestão da unidade. “Sua atividade como professor, vice-coordenador e co-idealizador foi perseguida durante toda a gestão da diretoria de centro, além de outras perseguições sofridas pelo curso e por seu departamento (questões de infraestrutura, remanejamento de professores, tomada de decisões arbitrárias e enviesadas)”, destacaram os estudantes. “Nosso questionamento é: qual a verdadeira motivação para o sucateamento e desmantelamento do curso de Economia Ecológica? A quem, ou a quais setores, o esvaziamento da estrutura teórica do nosso curso beneficia? Quais os interesses por trás dessa série de violências institucionais, políticas e acadêmicas? Queremos respostas e soluções!”, acrescentou a nota.
O curso de Economia Ecológica incomoda áreas mais ortodoxas de ensino porque questiona os dogmas da economia tradicional, do crescimento desenfreado e da exploração da natureza. Foi rejeitado inicialmente pela FEAAC e acolhido pelo CCA na antiga gestão do Prof. Luiz Antônio Maciel, falecido em 2016. Uma graduação que busca ultrapassar o tecnicismo e rebate o modelo de sociedade imposto pelo capital é disputada por outras áreas de conhecimento, como a economia ambiental, com fundamentos neoclássicos e que recorre à tal “eficiência” no uso dos recursos naturais. Já a economia ecológica baseia-se em estudos transdisciplinares e prioriza a questão social, alertando para a deterioração e transformação dos meios ecológicos. “A natureza não conhece o dinheiro. Ela se move por suas próprias leis, pelo seus ciclos naturais. Então não adianta simplesmente uma multa ambiental se você não recupera a área que foi atingida”, ressalta Fábio Sobral.
A ADUFC acompanha de perto a situação do curso de Economia Ecológica da UFC e oferece total apoio aos docentes impedidos de desenvolver o projeto pedagógico original da graduação, que conta com ótima avaliação do Ministério da Educação (MEC). Esse cenário atinge principalmente os discentes, prejudicados em sua formação acadêmica. Para debater o tema e dar voz a professores e estudantes impactados por essa situação, o sindicato convocou uma plenária, na sua sede de Fortaleza, para a próxima segunda-feira (20), às 18h30. Também já enviou uma nota ao reitor da UFC, Prof. Custódio Almeida, sobre as denúncias do Centro de Ciências Agrárias e aguarda uma resposta tanto da reitoria como da direção do CCA.