Financiamento para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação caiu cerca de 75% desde 2014. Ceará vai na contramão do retrocesso e desenvolve política de investimento para os próximos 10 anos.
No dia 8 de julho é celebrado o Dia Nacional da Ciência e o Dia Nacional do Pesquisador no Brasil, uma data para reconhecer a direta relação entre o desenvolvimento científico e o crescimento da nação. Todavia, este ano o País não apresenta perspectivas satisfatórias para serem comemoradas. O atual governo federal vem demonstrando que o Brasil ainda não acordou para a relevância de investir em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).
Só no ano passado, em 2017, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (agora agregado ao Ministério das Comunicações, MCTIC) teve 44% do seu orçamento cortado em relação ao ano anterior, em números, R$ 2,6 bilhões que deixaram de ser investidos na área.
Em 2014, o patamar de investimento em CT&I estava na casa de R$ 8 bilhões. Atualmente, o valor investido não passa dos R$ 2 bilhões. O corte mais recente, feito em 2018, foi para compensar o valor do Diesel.
A Equipe de Comunicação da Adufc-Sindicato entrevistou três especialistas na área da Ciência para fazer uma análise de como está a situação do desenvolvimento científico no Brasil e traçar uma perspectiva do que se pode esperar para o futuro das pesquisas no País com a falta de financiamento. O pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da UFC, professor Antônio Gomes Filho, o presidente da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (FUNCAP), professor Tarcísio Pequeno, e a secretária regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), professora Cláudia Linhares falaram sobre o assunto.
Os três foram unânimes ao citar os últimos anos para a CT&I: após um ciclo de investimentos crescentes (mais exatamente de 2002 a 2014), com o início de projetos estruturantes, a ciência brasileira sofre agora um retrocesso em financiamento ”catastrófico”.
”Depois de anos de subfinanciamento, a partir de 2002, e até 2014, a ciência brasileira recebeu a abertura de novas universidades (e portanto de pontos de pesquisa) e com o incremento significativo da formação de doutores (e portanto de cientistas). No ano de 2015 começamos a experimentar uma queda significativa nos investimentos. Se por um lado, ainda colhemos frutos dos anos de bonança e constatamos que a dinâmica da pesquisa persiste e gera frutos em muitos centros, por outro lado, a ciência brasileira vê-se hoje ameaçada de morte por inanição, pela pura e simples falta de investimentos minimamente suficientes para sua subsistência”, pondera a professora Cláudia.
Toda essa escassez de verbas representa, a médio prazo, a interrupção de projetos científicos importantes, o fechamento de laboratórios e a ”fuga” de grandes cientistas para outros países. A longo prazo os prejuízos são ainda maiores. É o que garante o presidente da FUNCAP, professor Tarcísio.
O presidente dá o exemplo das anuidades que deveriam ser pagas ao Sistema Internacional de Astronomia, para que astrônomos brasileiros possam continuar usando telescópios do sistema em suas pesquisas. ”O governo brasileiro deixou de pagar – já estavam atrasadas – as anuidades que precisam pagar (por exemplo, para uso dos telescópios do Deserto do Atacama, no Chile). Agora, os experimentos dos astrônomos brasileiros que estavam em andamento vão sofrer descontinuidade, eles não vão poder utilizar os telescópios para manter suas observações e as suas pesquisas”, destaca.
”Tem máquina ficando obsoleta nos laboratórios, tem reagente faltando, tem pessoas sem poder viajar para participar das conferências, sem poder trazer pesquisadores que vão trabalhar com eles, sem poder mandar alunos para estudar fora, etc e etc.” (Professor Tarcísio)
Inevitavelmente, essa falta de financiamento provoca a evasão de profissionais brasileiros para outros países que oferecem boas condições de trabalho. Os cientistas chamam isso de ”evasão de cérebros”, pessoas de grande potencial que deixam o Brasil para se destacar com seus projetos e pesquisas no exterior.
Para a professora Cláudia, isso representa ”o desperdício dos investimentos feitos pela sociedade brasileira no seu futuro. A persistir essa política (de escassez de investimento), a evasão de cérebros naturalmente se intensificará.”
”Essa legião de pesquisadores pensará duas vezes em voltar novamente para o Brasil quando um novo ciclo positivo iniciar, por ficar sempre a incerteza de quanto tempo vai demorar.” (Pró-Reitor Gomes)
Para tentar conter a saída desses profissionais do estado do Ceará, a FUNCAP desenvolve um trabalho de atração de pesquisadores, com programas de fixação de doutores e desenvolvimentos de projetos no interior do Ceará. Nos últimos 10 anos, o número de doutores formados e atuando no interior do estado aumentou consideravelmente. ”Nós lançamos ano passado um edital para recém-doutores, com 30 bolsas, e apareceram mais de 300 candidaturas.”, destaca positivamente o professor Tarcísio.
A Ciência merece destaque
O pró-reitor, professor Gomes, destaca a importância de ter uma infraestrutura de pesquisa pronta para beneficiar a população. Ele cita dois fatos: um deles é o problema do Zika Vírus, que mostrou como a Ciência pode responder aos desafios do País, com uma boa infraestrutura de laboratórios e profissionais à disposição quando surgiu a epidemia. Na ocasião, os pesquisadores brasileiros foram elencados como os mais influentes da área no mundo, graças ao avanço das vacinas em testes. Outro exemplo é que o Instituto Butantan patenteou recentemente nos Estados Unidos a vacina contra a Dengue, e isso foi resultado do ambiente de pesquisa que se estruturou nos últimos anos.
O fato de termos tido bons anos de uma política de ciência, tecnologia e inovação que visava o desenvolvimento do país, deixou as marcas na nossa comunidade científica de que o Brasil tem potencial imenso para tornar-se uma nação livre, rica, igual, soberana e solidária. (Professora Cláudia)
O Ceará na contramão do retrocesso
Diante de todo o descaso do atual governo federal, o Ceará ainda consegue ir na contramão da falta de investimentos e se destacar na perspectiva de produção de projetos científicos. Isso porque o governo do Ceará, que financia a Ciência no estado através da FUNCAP, dobrou a verba para a fundação em 2018, um aumento de 100%. Se em 2017 o investimento foi na base de R$ 50 milhões, neste ano foi de R$ 100 milhões (1% da receita tributária líquida do estado).
O professor Tarcísio Pequeno afirma que essa verba tem permitido manter o funcionamento dos grupos (científicos) cearense, assim como o apoio à pós-graduação, o programa de bolsa de Iniciação Científica e o programa de lançamento de editais de inovação.
O governo do estado do Ceará assumiu o compromisso de, em 10 anos, atingir 2% da receita tributária líquida do estado em investimento na Ciência.
Para o presidente da FUNCAP, é inevitável não ser atingido pela calamidade nacional, pois o sistema federal tem um papel muito grande no financiamento da ciência no Ceará, com as universidades, pesquisas e inovação. Todavia, o estado está bem, relativamente à situação do país, devido a esse financiamento do governo local.
”Tanto comparado com o governo central (federal) quanto com relação a outras fundações de apoio à pesquisa e inovação (de outros estados), o Ceará está numa posição privilegiada, não só pelo volume de recursos, que ao invés de minguar está crescendo um pouco, mas pelo fato de poder planejar em cima de uma previsão nessa próxima década”, destaca.
A Universidade Federal do Ceará, por exemplo, conta com vários grupos de pesquisa e muitos projetos em andamento. O pró-reitor Gomes destaca a proposta de desenvolvimento de sensores que podem ajudar a diminuir a perda de água no Ceará, o desenvolvimento de tratamento para lesões de hanseníase e o primeiro banco de pele animal do País, criado na universidade, que pode diminuir dores e prevenir contaminações.
Todas as informações sobre essas pesquisas citados pelo professor Gomes podem ser encontradas no site da Agência UFC (www.agencia.ufc.br). A universidade está constantemente desenvolvendo novos projetos de interesse da comunidade.
O que esperar da ciência brasileira?
Confira, na íntegra, as entrevistas com os especialistas: