Em meio ao cenário de apreensão em que o mundo se encontra em virtude da expansão descontrolada e de efeitos ainda não totalmente conhecidos do COVID-19, a Diretoria da ADUFC convida os docentes e toda a comunidade universitária à reflexão sobre a postura a ser adotada pelas Universidade Federais do Estado do Ceará quanto às atividades acadêmicas suspensas.
O problema é muito mais complexo do que aparenta ser.
A suspensão das aulas e das atividades presenciais é uma medida fundamental para se evitar a proliferação da doença, mas haveria a possibilidade de mantê-las de outra forma?
A discussão sobre a possibilidade de substituir aulas presenciais por atividades remotas permeou todo o processo de decisão de suspensão das atividades na UFC. Inicialmente, a Reitoria expediu ofício delegando às diretorias de unidade a suspensão de atividades com substituição pelo modo remoto. Naquele momento, o isolamento social já estava fortemente recomendado pelos órgãos de saúde pública. Os diretores, sabendo da responsabilidade de proteger estudantes, docentes e funcionários, fizeram consultas à comunidade acadêmica e realizaram reuniões dos Conselhos das Unidades. Estes deliberaram, em sua ampla maioria, pela suspensão e não substituição das aulas presenciais por aulas de Educação à Distância ou atividades remotas.
Após essas decisões e pressionada a se posicionar, a Reitoria da UFC adotou medida que atropelou todo o processo de debate em andamento. Tal medida, adotada no sentido de tornar obrigatórias atividades remotas, foi fortemente confrontada pelos diretores e pela comunidade universitária, tendo-se obtido com isso que a substituição por atividades remotas, no que tange às aulas e atividades letivas, não seja obrigatória.
Vale ressaltar que o mesmo posicionamento foi tomado pela Reitoria da Unilab, que deliberou unilateralmente pela substituição das aulas presenciais por atividades remotas, como forma de manter o calendário e uma aparência de normalidade, sem qualquer preocupação com a viabilidade e a qualidade do ensino.
Uma análise básica da realidade teria desaconselhado essa substituição. Para começar, os recursos e materiais didáticos de ensino à distância e ensino presencial são muito diferentes. Além disso, a maioria dos docentes não tem formação adequada para utilizar mecanismos de Educação a Distância (EaD) e não teve tempo hábil para planejar e preparar aulas em plataformas EaD. Muitos simplesmente não dispõem de condições para realizar videoconferências (meio que tem sido fortemente encorajado pela reitoria da UFC), especialmente entre os docentes e as docentes que têm filhos pequenos. Essa metodologia é inviável também porque muitos discentes não têm acesso a uma internet de qualidade e, em alguns casos, só utilizam computadores na própria instituição, além de não ser incomum utilizarem as bibliotecas da Universidade para estudar por não disporem de um ambiente doméstico adequado.
Cria-se, portanto, uma condição que pode impedir alunos e professores de exercerem as suas atividades da melhor maneira possível e na qual a qualidade das aulas e do aprendizado serão inevitavelmente comprometidos. A própria portaria Nº 343 do MEC de 17/3/2020 inviabiliza aulas remotas para os cursos de Medicina e atividades práticas de estágio e laboratoriais, o que atinge vários cursos e cria uma diferença de calendário entre cursos autorizados e não autorizados a fazer essa substituição.
A adoção de medidas massivas de educação a distância também deve ser vista com desconfiança num contexto político de tentativa de desmonte do ensino público e da pesquisa no país. Janelas criadas pela excepcionalidade desta situação não podem servir de incentivo nem de precedente para uma iniciativa que consideramos extremamente negativa para a educação pública.
Por fim, devemos ficar atentos para o cenário interno da UFC neste momento. Ao editar o Provimento nº 02/CONSUNI, de 16/3/2020, o interventor utilizou o nome do Conselho Universitário sem que este tenha sido convocado nem tenha participado das deliberações sobre os rumos da UFC neste cenário de crise. Após a omissão inicial, o interventor expediu o referido documento com regras elaboradas por um Comitê de Crise formado na maioria por seus pró-reitores e do qual participavam apenas os dois diretores de unidades favoráveis à decisão de substituição de aulas presenciais por atividades remotas (Faculdade de Direito e Faculdade de Medicina).
A decisão da diretoria da Faculdade de Medicina (Famed) de adotar atividades remotas seria inicialmente desautorizada pela Portaria MEC nº 343, de 17 de março de 2020, que vedava a substituição de aulas presenciais por atividades remotas em cursos de Medicina. No dia 19 de março, uma nova portaria do MEC, de nº 345, permitiu tal substituição nos primeiros quatro anos desses cursos. Percebe-se, no âmbito do próprio MEC, a hesitação quanto à pertinência da adoção da modalidade não presencial.
Na grande maioria das Unidades Acadêmicas, houve rejeição da
substituição por educação à distância. O Centro de Ciências, o Centro de
Humanidades e a Faculdade de Educação (Feced), por exemplo, que concentram os
cursos de formação inicial de professores, negaram veementemente essa
possibilidade.
O Centro de Tecnologia (CT), o Campus de Quixadá (eminentemente tecnológico) e
o Instituto UFC Virtual também excluíram essa substituição de suas decisões
sobre a suspensão das atividades. Já no Centro de Ciências Agrárias (CCA), não houve
deliberação do Conselho e adotou-se diretamente a decisão da Portaria do MEC e
Provimento da Reitoria; na Faculdade de Economia, Administração, Atuária e
Contabilidade (FEAAC), a decisão ficou a cargo de cada docente.
A UFCA, cujo reitor é eleito, teve, ao contrário, um processo de decisão em nível de reitoria mais participativo e transparente.
No país, a tendência majoritária nas universidades federais foi rejeitar a direção dada pelo MEC. As 67 universidades federais estão com o calendário suspenso, sendo que 46 delas optaram por suspensão integral (sem atividades remotas).
Por essas razões, a Diretoria da ADUFC posiciona-se contrariamente à obrigatoriedade da adoção de atividades remotas pelos docentes, defendendo que o calendário universitário seja revisto e todas as medidas sobre essas questões sejam decididas pelos colegiados competentes (CONSUNI e CEPE) após o período de enfrentamento à pandemia.
Fortaleza, 20 de março de 2020
Diretoria da ADUFC-Sindicato
Gestão Resistir é Preciso (Biênio 2019-2021)
(*) À época da publicação da nota da ADUFC, no dia 20 de março, a Unilab ainda não havia se posicionado sobre possível suspensão das aulas.