Após receber questionamentos da própria equipe da Rádio Universitária FM e da imprensa local, a reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC) adiou a assinatura de um contrato, previsto para ocorrer na última quinta-feira (30/6), e que, na prática, interfere na programação e na condução administrativa da emissora. Há semanas sem direção, desde que o Prof. Nonato Lima (Jornalismo/UFC) foi levado a afastar-se por não tolerar censura, a RUFM estava prestes a firmar um acordo com a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), via Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC). Na quarta-feira (29/6), os/as servidores/as da emissora haviam escrito uma carta enviada à administração superior criticando o contrato de adesão à Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP).
Entre os pontos levantados, está a “perda de autonomia da RUFM” e o fato de a emissora cearense passar a ser “uma mera retransmissora de conteúdos estabelecidos pela EBC”. Ao contrário do que anunciava a Reitoria, a assinatura não significa uma parceria, mas o atrelamento da programação da Universitária FM à EBC, empresa que também tem sofrido desvirtuamento de seu caráter público e censura, o que impacta sua programação. Pelos termos do acordo, o conteúdo da Rádio deverá ser submetido e aprovado pela EBC, cujos representantes de Brasília estiveram reunidos no dia 30/6 com integrantes da Reitoria e FCPC para uma “visita de cortesia”.
A atividade do dia 30, contudo, não foi divulgada nos canais de comunicação oficiais da universidade, muito menos registrada posteriormente. Também sua realização foi negada à equipe da Rádio – o convite para participação na reunião havia sido feito via Whatsapp aos/às servidores/as da emissora, mas, posteriormente, a Reitoria negou que ela ocorreria, mesmo após já ter confirmado à imprensa (O POVO – 30/6/2022).
Proposta retira autonomia da RUFM “de forma explícita”
Na prática, o contrato apresentado coloca a programação da rádio sob controle do Governo Federal e sob tutela do governo Bolsonaro. Em um dos tópicos, por exemplo, é dito no contrato – ainda não assinado – que a RUFM deverá retransmitir um total mínimo de quatro horas por dia da programação das rádios da EBC, sendo uma hora destinada à programação jornalística. O contrato prevê, ainda, que a EBC tem o direito de “fazer acompanhamento da programação local (da rádio)” para detectar “eventuais incongruências conceituais com a Rádio Nacional e Rádio MEC e tomar as medidas apropriadas”.
Além de ter sido considerado um “tempo excessivo”, ele não está disponível pela RUFM no momento, à exceção das faixas de horário entre meia noite e seis horas da manhã. É o que explica o documento detalhado produzido pelos/as servidores e encaminhado à Reitoria. “Ademais, além de estabelecer um tempo mínimo, é preciso estabelecer tempo máximo, como garantia de que a EBC não vai avançar indefinidamente sobre a programação”, segue outro trecho. O documento destaca, ainda, que a programação é produzida tanto pela equipe da emissora quanto por colaboradores da comunidade da UFC, de outras instituições de ensino superior do Ceará e entidades com relevante atuação.
“Avançar indefinidamente sobre a programação produzida localmente poderia também ser uma abertura para a própria dissolução de uma equipe altamente especializada, que foi constituída a muito custo durante os 40 anos da emissora”, enfatizam os/as servidores. Eles/as acrescentam que a proposta de contrato retira a autonomia da Universitária FM “de forma explícita” em diversos momentos. Seguem afirmando que a EBC não explicita de forma clara e tangível, “seja no contrato ou fora dele (como em reuniões já realizadas), quais são exatamente as vantagens deste acordo para a RUFM, a Universidade Federal do Ceará, a comunidade acadêmica e a sociedade cearense”.
“Ampla avaliação técnica é fundamental”
Ponto a ponto, a carta assinada pela equipe da Rádio Universitária FM 107,9 elenca e rebate várias cláusulas “dignas de questionamento”, mas reitera que a programação da RUFM está e sempre esteve aberta a receber programas de outras emissoras de caráter público e educativo, e enviar programas de produção própria a outras rádios do mesmo espectro. “Porém, isso sempre foi feito com transparência e horizontalidade, sendo a Rádio Universitária FM mais uma parceira do que uma ‘contratada’”, enfatiza. A equipe da Rádio Universitária FM reitera ser “fundamental uma ampla avaliação técnica, administrativa e jurídica da proposta da EBC”.
“A Universitária FM já integrou diversas redes nos últimos 40 anos, como o Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa (SINRED), entre várias outras iniciativas. Inclusive, a própria EBC é permanente parceira na troca de conteúdos e colaboração mútua na cobertura de eventos. Porém, a Universitária FM sempre atuou no mesmo patamar das demais associadas, com liberdade de propor e dialogar no mesmo nível” – é o que a equipe da emissora que assina o documento pontua.
“Nunca qualquer parceria exigiu esmiuçar e negociar nossas próprias produções e programação, muito menos com sanções em caso de não concordar com nossa linha editorial. Neste contrato, isto está previsto”, acrescenta o documento. O texto deixa claro, também, que o convênio proposto entre FCPC e EBC “desrespeita a declaração de independência editorial do Reitor Cândido Albuquerque, como tornado público no portal ufc.br.
ADUFC reitera apoio à equipe da Universitária FM
É importante ressaltar que tal proposta não foi objeto de discussão junto ao Conselho Universitário (CONSUNI) da Universidade Federal do Ceará, sendo mais um ato monocrático de uma administração avessa à definição coletiva das políticas que afetam toda a comunidade universitária e a sociedade. Diante disso, a ADUFC-Sindicato, junto com outras entidades e pessoas fisicas, subscreve a manifestação da equipe de trabalhadoras e trabalhadores da Rádio Universitária e reitera que defende a comunicação pública e que não abre mão de nossa Rádio Universitária independente, autônoma e sintonizada com a nossa terra e a democracia.
(*) Leia aqui a carta da equipe da Universitária FM questionando cláusulas do contrato
(**) Saiba mais sobre os ataques e interferências da gestão bolsonarista à Universitária FM e sobre a exoneração do Prof. Nonato Lima