A Diretoria da ADUFC-Sindicato vem a público repudiar veementemente a disposição da Reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC) de realizar parceria com a empresa Galvani Fertilizantes visando à exploração das jazidas de extração mineral em Santa Quitéria/CE, incluindo a produção de urânio para energia nuclear.
No dia 14 de setembro deste ano, o interventor da UFC, Cândido Albuquerque, recebeu, em seu gabinete, membros da diretoria da empresa Galvani, a fim de debater possíveis parcerias entre a UFC e a companhia, tendo em vista a exploração de urânio e fosfato. Essa atitude é ainda mais desastrosa considerando os severos questionamentos existentes em meio a pesquisadores/as da própria instituição, alertando para os riscos inerentes à saúde e ao ambiente da população cearense e de estados vizinhos.
A exploração do colofanito pelo consórcio Galvani e Indústrias Nucleares do Brasil já teve licença prévia negada pelo Ibama em 2020, exatamente por estes riscos. O processo produtivo, analisado pelo Painel Acadêmico e Popular em 2014, com forte participação de docentes da UFC e UFCA, demanda um elevado consumo de água, absolutamente impensável no Sertão Central, onde as comunidades são abastecidas por carros-pipa nos períodos de estiagem e nunca tiveram atendidas suas reivindicações de uma adutora. A lavra envolve a liberação do gás radônio que, assim como as poeiras resultantes da cadeia de decaimento do urânio, liberam energia alfa, beta e gama, sendo fartamente reconhecidos como cancerígenos na literatura científica e na legislação brasileira. A britagem, moagem e homogeneização do mineral, previsto em cerca de 120 milhões de toneladas, ocasionará a emissão de poeiras radioativas contendo Tório, Rádio, Polônio, Bismuto, entre outros radionuclídeos, que poderão ser dispersados pelo vento (ventos de nordeste, leste e sudeste) e pelas águas por amplas regiões do Ceará, como demonstra outro estudo realizado na UFC.
Em agosto desse ano, foi elaborado o Mapa “Os Impactos Diretos e Indiretos da Mineração e Transporte do Urânio e Fosfato no Ceará”, por equipe interdisciplinar com a participação de pesquisadores/as da UFC, entre outras instituições acadêmicas, ativistas da Articulação Antinuclear do Ceará, movimentos sociais e representação das comunidades, que definiu a área a ser atingida e fortemente vulnerabilizada pelas fases de mineração e carregamento de urânio e fosfato da mina de Santa Quitéria pelas rodovias estaduais e federais, e com destino aos portos do Pecém (São Gonçalo do Amarante) e de Fortaleza.
No estudo, as bacias hidrográficas, os ecossistemas, as cidades e os territórios tradicionais quilombolas, de pescadores, marisqueiras e camponeses e terras indígenas foram definidos levando em conta os riscos de contaminação das águas superficial e subterrânea, da biodiversidade, dos núcleos urbanos, distritos e assentamentos rurais. O território em risco de desastres graves possui uma população estimada (IBGE, 2020) de aproximadamente 4.552.340 de pessoas (incluindo a população de Fortaleza, com 2,687 milhões de habitantes), além de 28 povos indígenas e 16 comunidades quilombolas que poderão ser alcançados pela radiação nuclear.
A cartografia coletiva foi elaborada de modo a caracterizar e qualificar a análise técnica das omissões e insuficiências do Termo de Referência para o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do “Projeto Santa Quitéria”***. E demonstrar para a população a ser afetada a deficiência dos estudos para o licenciamento ambiental que não consideraram a abrangência territorial dos impactos socioambientais. Delimita, ainda, a abrangência das possíveis falhas e acidentes envolvendo os minérios radioativos, as bacias hidrográficas e os territórios com elevada população, definindo, assim, a zona de disseminação dos componentes radioativos no meio ambiente.
A bacia hidrográfica do rio Acaraú será fortemente impactada tanto nas fases de mineração, através do escoamento superficial e infiltração nos aquíferos desde as pilhas de rejeito e poeiras produzidas na lavra e industrialização, como no transporte do urânio e fosfato para o município de Fortaleza/CE. O rio Groaíras, ao lado da mina e que atravessa parte do território semiárido do sertão cearense, com as vazantes úmidas e aquíferos livres, as cisternas e cacimbas para o armazenamento e manejo da água das chuvas para usos múltiplos e demais reservatórios de água, poderão ser contaminados. E daí afetar os pequenos e médios açudes, como a barragem Edson Queiroz, que abastece a cidade de Santa Quitéria (município com população estimada em 46.763 habitantes – IBGE, 2020), antes de alcançar o rio Acaraú e, por esse motivo, degradar a saúde comunitária e o modo de vida das populações camponesas, indígenas e tradicionais ribeirinhas. Nesse universo, ameaça deteriorar a economia regional relacionada com a produção e comércio de alimentos agroecológicos, o turismo religioso e comunitário e promover colapsos nos municípios por toda a extensão da bacia hidrográfica.
As bacias dos rios Aracatiaçu, Curu e Ceará também serão afetadas com a contaminação por possíveis acidentes no transporte e, dessa forma, podem alcançar as comunidades litorâneas e o mar (catástrofe que possivelmente envolverá também o litoral dos estados do Piauí e Maranhão). Um contexto de elevada ameaça de propagação de contaminantes em escala regional e impactos irreversíveis aos sistemas ambientais continental, marinho e costeiro, dada a longa meia vida dos radionuclídeos (Tório 230 – 8000 anos, Rádio 226 – 1600 anos, por exemplo), além de várias Unidades de Conservação de proteção integral e uso sustentável.
As populações expostas, os territórios étnicos e tradicionais e o modo de vida integrado com a água e os ecossistemas e as demais relações sociais, culturais e econômicas poderão ser profundamente ameaçadas, inclusive em sua soberania alimentar e cultural, pelos contaminantes radioativos.
Os muitos e rigorosos estudos já realizados sobre este projeto de mineração de urânio e fosfato em Santa Quitéria por instituições de ensino superior do Ceará, como a UFC, a UFCA, a UVA, entre outras, expressam o que a ADUFC defende enquanto projeto de universidade pública, democrática, comprometida com o cuidado para com a vida, especialmente dos segmentos sociais vulnerabilizados. Não nos reconhecemos e repudiamos a atitude do interventor de abrir as portas da UFC a estes empreendedores.
Nossa produção científica sobre este conflito pretende ser mais um instrumento nas mãos dos trabalhadores/as, moradores/as e movimentos sociais que legitimamente lutam em defesa de seus territórios, seus modos de vida e seus direitos – luta à qual devem se unir outros segmentos da população cearense também ameaçados.
Em tempos onde o negacionismo tem causado tanto sofrimento para os/as brasileiros/as, é inadmissível que a lógica privada se imponha à ciência, notadamente, numa instituição acadêmica pública!
*** “Análise das omissões e insuficiências do atual termo de referência para o estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental do ‘projeto Santa Quitéria’”. Documento elaborado pelo PAINEL ACADÊMICO SOBRE OS RISCOS DA MINERAÇÃO DE URÂNIO E FOSFATO, em fevereiro de 2021, e protocolado no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União e instituições governamentais.
Fortaleza, 15 de dezembro de 2021
Diretoria da ADUFC-Sindicato
Gestão Resistir e Avançar (Biênio 2021-2023)