No último dia 8 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tese da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6565), que questionava as intervenções do Governo Federal nas universidades ao nomear como reitores os candidatos que não estavam em primeiro lugar na lista tríplice – e às vezes nem figuravam na relação. A derrota da ação, que havia sido impetrada pelo Partido Verde, reafirma uma legislação dos tempos do regime militar e abre espaço para que Jair Bolsonaro continue avançando em seu projeto de transformar o ambiente universitário em instrumento de evidente alinhamento político e ideológico.
A maioria do pleno do STF não seguiu o voto do relator, o ministro Edson Fachin, que, em outubro do ano passado, manifestou-se favoravelmente à autonomia universitária ao conceder medida cautelar parcial à ADI 6565. De acordo com Fachin, a nomeação de reitores deveria atender, concomitantemente, os seguintes requisitos: ater-se aos nomes que figurem na respectiva lista tríplice; respeitar integralmente o procedimento e a forma da organização da lista pela instituição universitária; e recair sobre o docente indicado em primeiro lugar na lista.
Apenas o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o relator. Já os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Nunes Marques se posicionaram contra o pedido. Para a Profª. Cynara Mariano, do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), a decisão do Supremo abre espaço para que Bolsonaro continue suas investidas de intervenção e censura nas universidades.
“O receio inicial de que as primeiras violações à autonomia universitária se reproduzissem nas demais escolhas dos reitores e vice-reitores das instituições federais de ensino, tornando esse processo um instrumento de claro alinhamento político e ideológico da direção de todo o ensino superior federal ao governo, infelizmente se materializou e continuará a se repetir nos vários processos eleitorais que ainda ocorrerão nas universidades entre 2021 e 2022”, avalia a docente, que também é vice-presidente do Instituto Latino Americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia.
Nas universidades federais, até hoje o processo de escolha de seus dirigentes é regido pela Lei 5.540/1968, alterada posteriormente pela Lei 9.191/1995, que estabelece o processo de escolha de reitores e vice-reitores. “Com esse resultado, perdeu-se uma importante oportunidade de expurgo de uma legislação produzida ainda no regime da ditadura civil-militar, que, a depender do governo de plantão, pode dar azo a um projeto de controle da vida universitária no país, como foi a intenção do legislador à época do regime de autoritarismo”, destaca Cynara Mariano.
Lei que rege a nomeação de reitores é da época do regime militar e apresenta inconsistências
Para a professora de Direito da UFC, o STF tinha algumas possibilidades de interpretação no julgamento da ADI 6565. Uma delas seria levar em consideração a não recepção da Lei 5.540/1968, ou pela sua inconstitucionalidade após a alteração por meio da Lei 9.192, em 1995. Outro caminho seria aplicar no julgamento a interpretação conforme a Constituição – prevista no art. 28 da Lei 9.868/99 – para harmonizar o que diz a Lei 5.540/1968 com o art. 207 da Constituição Federal, que trata da autonomia universitária. Assim, a escolha do reitor pelo presidente da República recairia apenas para o primeiro nome da lista tríplice. Essa última tese foi a defendida pelo ministro Edson Fachin em seu voto.
Na ADPF 759, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o ministro Edson Fachin, também como relator, deferiu liminar, em dezembro de 2020, determinando que o presidente da República deveria respeitar a ordem da lista tríplice organizada pelo colegiado máximo das universidades federais, ao nomear reitores. O ministro ainda reforçou que a autonomia universitária deve ser preservada.
Na opinião da Profª. Cynara Mariano, o STF desperdiçou a oportunidade de “compatibilizar o processo de escolha dos dirigentes universitários com a Constituição e a ‘nova’ era democrática”. “Agora surge a importância da ação legislativa para corrigir todo esse processo, o que é possível em um ambiente de um futuro Congresso Nacional menos conservador e autoritário, influenciado por um já esperado retorno dos ares democratizantes e republicanos da presidência da República”, conclui.
Um norte para se mirar é a condição dos institutos federais, cuja nomeação de dirigentes ocorre em conformidade com a Lei federal 11.892/2008, que estabeleceu a eleição paritária, com peso de 1/3 para cada uma das categorias (docentes, estudantes e técnicos-administrativos), sem submeter o resultado da consulta a outras instâncias internas. Assim, o único nome apresentado ao presidente da República para nomeação é o candidato mais votado.
A Universidade Federal do Ceará (UFC) está sob intervenção do governo federal há dois anos – já são mais de 20 instituições federais de ensino superior nesta situação. Na UFC, Bolsonaro nomeou como reitor Cândido Albuquerque, mesmo ele tendo obtido apenas 610 votos (4,6%) – o último lugar tanto na consulta à comunidade universitária como na lista tríplice encaminhada pelo Conselho Universitário. Nesse cenário de tantos ataques à autonomia universitária, a ADUFC-Sindicato reafirma o compromisso com a democracia interna e a transparência e seguirá fiscalizando e acompanhando a administração superior da UFC, bem como das demais universidades federais cearenses.