Enganam-se os que pensam e afirmam que crianças e adolescentes em situação menos vulnerabilizada do que adultos e idosos. Se não bastassem as consequências nefastas da elevação dos números de pessoas passando por insegurança alimentar, passando fome, em estado de miséria, e sofrendo os efeitos da elevação do desemprego, da inflação, dos valores dos produtos básicos, de configurações de violências as mais perversas – que incluem robustas denúncias de corrupção, somam-se outros impactos para a (sobre)vida de crianças e adolescentes.
Estamos nos referindo à intensidade com que as perdas de entes queridos, por Covid-19, que resvalam frontalmente na vida de crianças e adolescentes, abalando sua saúde emocional, com profundos sentimentos de pesar, desamparo, insegurança, saudade, tristeza, e tantos outros, que sequer caberiam neste texto.
Face perversa da pandemia, agravada em nosso país pelo estilo omisso e mesmo propositadamente descuidado que vem caracterizando o atual governo federal, a orfandade por Covid-19 é estarrecedora em invisibilidade para quase todos nós, em números de menores de 18 anos nessa situação, e em complexidade de ações para preservar a dignidade desses sujeitos sociais.
Até abril de 2021, estimativas apontam para, pelo menos, 1 milhão e 500 mil órfãos no mundo, e de 130 mil no Brasil; no Nordeste, 23,5 mil e, para o Ceará, não menos de 5,6 mil crianças e adolescentes que tiveram pai e/ou mãe tragados pela Covid-19, além de perdas de outro principal cuidador.
A (quase) total inexistência de mapeamento de órfãos e de programas oficiais ou de ONGs para seu atendimento inviabiliza, por enquanto, precisar suas demandas. Esse levantamento inadiável constitui uma reivindicação nossa. Pistas, a partir de trabalhos com crianças e adolescentes, permitem-nos apontar a necessidade de cuidados imediatos no âmbito da garantia de representatividade legal pelo Sistema de Justiça; em suporte financeiro no decorrer de sua menoridade; e em atendimento psicossocial e afetivo.
Tudo isso requer a alocação de recursos suficientes para a expansão da rede de proteção e do sistema de garantia de direitos, bem como a imediata implantação de berçários públicos: isso tudo inclui equipamentos, serviços e equipes, em formação continuada, em quantidade e qualidade para que órfãos e órfãs se façam presentes, com segurança, na vida privada e nos espaços públicos.
Evitar, com todas as forças, a hiperinstitucionalização; demandar a implantação de programas de famílias acolhedoras; seguir em crescente processo já iniciado de articulação da sociedade organizada para exercer o intransferível controle social – eis algumas de nossas tarefas, para as quais estamos determinados a prosseguir, em busca de vida digna também para os órfãos da Covid-19.
(*) Texto de Ângela Pinheiro, professora associada da Universidade Federal do Ceará (UFC); e integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (NUCEPEC), do Movimento Cada Vida Importa e do Fórum DCA Ceará. Autora do livro “Criança e Adolescente no Brasil: Porque o Abismo entre a Lei e a Realidade”. Email: a3pinheiro@gmail.com. Instagram: @nucepec.
(**) A ADUFC-Sindicato é solidária a essa luta e convida todos e todas a se unirem nessa causa.