“Democracia Universitária e as investidas do autoritarismo” foi o tema escolhido para marcar a 13ª edição da série de lives #EMPAUTA, da ADUFC. O debate, atual e oportuno, foi realizado na última quarta-feira (21/7) e transmitido no canal da ADUFC no YouTube. Há mais de um ano, o projeto vem trazendo discussões relevantes à categoria docente, à comunidade universitária e ao serviço público. A partir desta edição, o sindicato direcionará algumas lives mais especificamente à autonomia universitária – que vem sendo ameaçada de forma ininterrupta, nos âmbitos local e nacional.
Participaram do debate de ontem o Prof. José Geraldo de Sousa Júnior, titular da Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), de 2008 a 2012; e a Profª Cynara Mariano, do Deptº. de Direito Público e vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). A conversa foi mediada pelo Prof. Bruno Rocha, do Deptº de Bioquímica e Biologia Molecular da UFC, e presidente da ADUFC-Sindicato.
Além de ser um ativista reconhecido nacionalmente na área de proteção e defesa dos direitos humanos, José Geraldo também foi presidente da Comissão de Autonomia da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES). Organizou, entre inúmeras obras, o livro “Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória”, da editora UnB.
Para a Profª. Cynara Mariano, também conselheira do CONSUNI/UFC e integrante do Observatório do Assédio Moral nas Universidades Federais do Ceará no âmbito da ADUFC, a participação do Prof. Geraldo no debate promovido pelo sindicato foi simbólica. Na avaliação de Cynara, o docente simboliza ativismo e compromisso que vão além da defesa da “função honorífica” de um ex-reitor: “Isso é muito importante para nós, essa atuação permanente na defesa da universidade e do bem público”. A professora foi ao encontro da fala de José Geraldo sobre a universidade ser um lugar de esclarecimento para além do estado. “Tudo isso explica um pouco o fato de ela ser uma instituição tão atacada pelo autoritarismo”, salientou.
O Prof. Bruno Rocha destacou a preocupação com a “destruição sistemática da democracia” como elemento da construção dos golpes e do autoritarismo. E trouxe a discussão para os efeitos dessa prática no âmbito da universidade pública e, em nível local, especificamente na própria UFC. “Vivemos isso a cada dia”, afirmou o presidente da ADUFC, elencando vários fatores desses efeitos na universidade – a exemplo das decisões autoritárias no nível da administração superior; da perseguição aos professores; e do esvaziamento dos Conselhos Superiores como locais de deliberação, e o desrespeito às representações, principalmente as estudantis. “É o movimento estudantil que pode se contrapor a esse autoritarismo. Por isso mesmo, ele é excluído do processo”, lembrou o docente, destacando, ainda, recente vitória judicial em favor dos estudantes da UFC, em detrimento da administração superior autoritária.
NOTA DA EDIÇÃO – A ADUFC-Sindicato separou alguns trechos importantes da fala do Prof. José Geraldo durante a 13ª live da série #EMPAUTA, por considerar de extrema relevância a contribuição e representatividade do docente e ex-reitor da UnB na luta nacional contra o autoritarismo e em defesa da democracia universitária:
“Esforços grandes para coisificar a educação superior”
“Nunca fui tão mobilizado como desde 2016. É exatamente esse recorte que nos junta hoje: debater o estado da construção da democracia na universidade e as investidas autoritárias que elas sofrem. Tenho participado de debates em diferentes âmbitos – o último foi numa audiência pública na Câmara dos Deputados, pela Comissão de Direito à Educação. Na ocasião, o tema era exatamente o atentado à liberdade de ensino e de cátedra decorrente de ações e condutas autoritárias do governo. (…)”.
Segundo o Prof. José Geraldo, uma dessas investidas “sempre autoritárias” carrega um elemento ideológico, um atentado à Constituição, “no sentido de reduzir o alcance do valor social escrito na Constituição de 1988”, sob serem a educação superior e a universidade um bem social e um bem público não acessível ao mercado. (…) “Os esforços do governo são grandes para transformar o bem público para o âmbito mercadológico, coisificar a educação superior”. Como outro elemento autoritário, ele apontou a tentativa de “subordinar o ator universitário a um regime de patronato para poder reduzir a sua capacidade crítica, segundo a perspectiva da investidura autoritária, que é o de manobrar, manipular e investir contra essa possibilidade de autonomia que a universidade carrega”. E acrescentou, em referências às consequências da intervenção na UFC, iniciada em agosto de 2019: “Vocês aí no Ceará são uma prova viva atual e imediata do que significa esse autoritarismo”.
Sobre a intervenção de Cândido Albuquerque na UFC
“Vi uma lista eloquente de atos, declarações, procedimentos, todos tendentes a esvaziar o sentido da autonomia da universidade, a interferir na gestão democrática da instituição – prevista na própria Constituição – e também no sistema convencional, considerando a Convenção Americana de Direitos e demais documentos internacionais. E fazendo intervenção direta, como aquela de frustrar a previsão da livre escolha, segundo os parâmetros da legislação, das direções da universidade por meio de formas destituintes da manifestação da comunidade na escolha de seus dirigentes. Vocês aí no Ceará estão vivendo esse aspecto. Incidentalmente, em mais de uma ocasião, eu pude me manifestar no que está acontecendo aí. Por exemplo, quando se tratou de se abrir procedimentos correcionais contra professores que são ativistas e membros legítimos de uma comunidade com salvaguarda de sua liberdade de manifestação”.
Governo federal: “atuação letal e deletéria”
“Não quero deixar que a função de ex-reitor se reduza por qualquer outro exercício que não seja honorífico dessa atuação. Tenho me prontificado sempre na linha de estar presente em todas as situações a que o percurso nosso exija”. José Geraldo de Sousa afirmou já ter entrado com duas ou três representações contra ministros da Educação, por conta dessas atitudes – na Comissão de Ética Pública, na Procuradoria Geral da República; e contra o próprio presidente da República. Ele é autor também – junto com outros professores (incluindo Renato Janine Ribeiro) – de uma Ação Civil Pública pedindo que seja declarada a “atuação letal e deletéria” do governo no tocante ao “desmonte das instituições, notadamente as de saúde e de proteção à saúde da população”.
“Esses fatos exigem de todos nós. Por isso, esse nosso encontro aqui nessa live é tão importante: significa não ceder terreno nesse embate que somos chamados a confrontar na defesa da democracia, na defesa da Constituição, na defesa da Cidadania, dos Direitos Humanos e da autonomia da universidade”. (…) A universidade se compromete com a busca de solução para os problemas da sociedade e do povo. Então, para nós, a autonomia e a democracia são fundamentais. A luta que vocês estão travando aí no Ceará tem a solidariedade de todos”.
Universidade como “trincheira enorme da resistência”
“Graças à consciência dessa autonomia, a universidade pode ser hoje uma trincheira enorme da resistência. Não só democrática, mas da agregação de uma consciência crítica para fazer avançar, na utopia, um futuro que temos que disputar nesse contexto dramático. E por isso ela é muito atacada. E por isso ela é o adversário a confrontar. Nessa semana, o ministro da Educação (Milton Ribeiro) veio dizer que ‘os professores precisavam trabalhar’, mas os professores não pararam de trabalhar. Nós estamos fazendo três semestres em um ano. O que os professores estão fazendo é um trabalho que não prejudique a saúde pública. Basta o governo para fazer esse prejuízo”.
“No Brasil, a gente morre de fome, a gente morre por depressão, a gente morre por bala perdida, mas o que mata no país é o desgoverno. E somos nós, na universidade, que temos exercitado essa consciência crítica e oposta às tentações autoritárias. A nossa capacidade de esgrimir argumentos, de demonstrar falácia das necropolíticas, e também de nos aliarmos com as nossas institucionalidades corporativas, como as associações dos docentes, como as entidades que organizam atividades colegiada dos dirigentes, para poder salvaguardar o sentido e o alcance dessa luta”.
Acompanhe a série de lives #EMPAUTA
As transmissões ao vivo anteriores tiveram início em julho de 2019, pouco antes do processo de intervenção pelo governo Bolsonaro na UFC e ganharam força em 2020, durante a pandemia e impulsionadas também pela necessidade de isolamento social. Além da democracia universitária, o projeto #EMPAUTA já trouxe discussões acerca de temas como: reforma da previdência, desinformação, ensino remoto, racismo estrutural e questões de gênero, direito à saúde e à educação, ações afirmativas nas universidades públicas cearenses, financiamento público e imposto sobre grandes fortunas, entre outros. As últimas 13 lives realizadas pela ADUFC podem ser assistidas, na íntegra, no canal do sindicato no YouTube:
. Em Pauta #1 | “Reforma pra quem? Uma conversa sobre a Reforma da Previdência” (19/7/2019)
. Em Pauta #2 | “Prevenção do Coronavírus e a importância do SUS no combate à pandemia” (18/3/2020)
. Em Pauta #3 | “Preservação da vida ou do mercado?” (28/3/2020)
. Em Pauta #4 | “Fake News e vigilância tecnológica em meio à pandemia: Desafios para a Democracia?” (3/4/2020)
. Em Pauta #5 | “Ensino Remoto na pandemia e os impactos na educação pública?” (13/4/2020)
. Em Pauta #6 | “Racismo Estrutural e a Covid-19: desigualdades sociais e raciais” (22/4/2020)
. Em Pauta #7 | “Trabalho remoto e questões de gênero” (30/4/2020)
. Em Pauta #8 | “Democracia Universitária: uma experiência avançada sob ataque” (27/5/2020)
. Em Pauta #9 | “Financiamento público e imposto sobre grandes fortunas: a situação no Brasil pós-pandemia” (18/6/2020)
. Em Pauta #10 | “Ações afirmativas nas universidades públicas cearenses: caminhos para a implementação” (25/6/2020)
. Em Pauta #11 | “Serviços públicos e o direito à saúde e à educação” (28/10/2020)
. Em Pauta #12 | “Reforma Administrativa: a ofensiva neoliberal contra os serviços públicos” (28/4/21)
. Em Pauta #13 | “Democracia Universitária e as investidas do autoritarismo” (21/7/21)
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