Instalada no Senado Federal no último dia 27 de abril, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 tem montado um quebra-cabeças para compreender como a inoperância do Executivo federal na gestão da pandemia pode ter agravado o duro cenário que já deixou mais de 460 mil mortes no Brasil. Apesar dos efeitos práticos da CPI ainda serem incertos, o trabalho da comissão tem reforçado diariamente a importância do incentivo à pesquisa e da valorização da ciência e tecnologia no desenvolvimento e bem-estar de um país.
Diferentes depoimentos de médicos, ministros e ex-auxiliares do Governo Federal confirmam o que grande parte da sociedade já sabia: o descaso de um governo com a execução de políticas públicas baseadas em evidências científicas pode ter consequências cruéis e letais. Embora muitos dos fatos descortinados na CPI já sejam de conhecimento público – vastamente divulgados por veículos de comunicação e denunciados por movimentos sociais –, o trabalho da comissão tem o fundamental papel de construir um relatório que prove a intencionalidade de uma política de morte na gestão da pandemia e apure as responsabilidades dos diversos agentes, inclusive do presidente da República.
Na última sexta-feira (28/5), em um balanço do primeiro mês da CPI, o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), apontou que a investigação tem certezas de que as ações do governo de Jair Bolsonaro contribuíram com uma maior letalidade da pandemia no Brasil. “Se alguma coisa pudesse ser dita como antecipação de tudo que até agora se observou, eu diria que temos clareza absoluta, 100% de convicção, que muitas vidas poderiam ter sido salvas se o governo tivesse adotado um comportamento público, com decisões lógicas, objetivas, em favor da ciência e em defesa da vida dos brasileiros”, disse Calheiros, ressaltando que pretende entregar o relatório final em um prazo máximo de 90 dias.
Ainda na coletiva, o vice-presidente da Comissão, Randolfe Rodrigues (REDE-AP), comentou que a maioria dos membros da CPI da Covid está determinada a cumprir um “dever histórico”. “Esta comissão se instalou quando nenhuma das outras instituições que deveriam ter o dever de fazê-lo atuaram para conter o morticínio que está em curso no Brasil”, disse o senador.
Um dos exemplos do negacionismo do Governo Federal foi o depoimento na CPI da médica cearense Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”. A secretária de gestão do trabalho e da educação do Ministério da Saúde defendeu o uso do medicamento que não tem eficácia comprovada no tratamento contra a Covid. Ela também foi questionada sobre a plataforma TrateCov, lançada e retirada do ar após ser revelado que o aplicativo indicava cloroquina para pacientes de qualquer idade e com qualquer sintoma.
Alguns depoimentos de técnicos também foram decisivos para constatar como a negação da ciência por parte do Governo Federal tirou a vida de milhares de brasileiros. Um deles é o do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, ouvido no dia 27 de maio. Ele falou sobre a fabricação da Coronavac, produzida no instituto, e citou como as declarações de Bolsonaro contra a China atrapalham as negociações de insumos. Acrescentou que o Butantan fez uma oferta de vacinas em julho de 2020 ao Governo Federal, que foi recusada. Outra oferta, em 7 de outubro do ano passado, de 100 milhões de doses, também foi negada.
Mais um depoimento revelador é do chefe da farmacêutica americana Pfizer no Brasil à época das negociações para compra de vacinas contra a Covid-19, Carlos Murillo, que participou no último dia 13 de maio da CPI. Atualmente, ele é gerente-geral da empresa para a América Latina. Em depoimento, Murillo afirmou que o governo Bolsonaro ignorou por três meses negociações de vacina. A empresa sugeriu 100 milhões de doses a serem entregues em 2020 e 2021, mas o governo só respondeu meses depois, no dia 9 de novembro.
Está evidente nos depoimentos e trabalhos da CPI a necessidade urgente do aumento de recursos para a saúde pública e da valorização da ciência e do Sistema Único de Saúde (SUS), responsável por parcela significativa dos atendimentos de saúde no país, desde as unidades básicas até aos tratamentos de alta complexidade. Esses investimentos também fazem parte de uma política de valorização do serviço público e do Estado, considerando que grande parte das pesquisas realizadas no Brasil são oriundas de instituições públicas. A saída para essa crise sanitária, política e humanitária está logo ali e aponta para o lado oposto ao negacionismo e entreguismo que marcam este governo.