Após consecutivas promessas do ministro da Economia, Paulo Guedes, e de cobranças do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o governo Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional, em setembro último, o texto que trata da Reforma Administrativa e tramita na forma de Proposta de Emenda à Constituição, a PEC 32/2020. Sob a justificativa de reduzir custos no serviço público, a PEC ataca diversos direitos conquistados por servidores/as públicos/as, como a estabilidade no trabalho e ingresso por concurso público. No Dia do Servidor/a Público/a, é indispensável renovar e reunir esforços para enfrentar pautas como essa que fragilizam as condições de trabalho e a qualidade do serviço público prestado à sociedade.
Na mais recente Assembleia Geral convocada pela ADUFC e ocorrida em 25/9, a Profª. Cynara Mariano, da Faculdade de Direito (Fadir) da Universidade Federal do Ceará (UFC), denunciou as ameaças que a referida PEC traz ao serviço público. “É o retorno da situação do serviço público antes (da Constituição) de 88, quando não havia obrigatoriedade de serviço público, não havia Regime Jurídico Único nem previsão da estabilidade, e quando as funções dos serviços públicos eram preenchidas por indicações políticas”, opina. De acordo com a Câmara Federal, a proposta altera 27 trechos da Constituição Federal e introduz 87 novos.
As mudanças mais diretas que envolvem o retrocesso de direitos valem apenas para futuros/as servidores/as. No entanto, na avaliação da Profª. Cynara Mariano, essa informação não é integralmente verdadeira, uma vez que a precarização do serviço público fragiliza o ambiente de trabalho como um todo. “Se isso não nos vai atingir diretamente em termos de direitos adquiridos e consolidados, vai nos atingir em termos de ambiente precarizado, porque daremos continuidade a políticas públicas com colegas que podem estar no nosso ambiente de trabalho e, no dia seguinte, não, porque não terão estabilidade”, detalha a docente.
A PEC altera, ainda, jurisdição sobre a indicação de cargos de confiança, que, diferentemente dos cargos comissionados, são aqueles que só podem ser ocupados por quem já é funcionário/a de carreira. Se a proposta de Reforma Administrativa avançar no Congresso, essas funções poderão ser transformadas em “cargos de liderança e assessoramento” após regulamentação posterior em lei complementar. “Isso significa que podemos ter colegas no futuro que vão estar nos liderando e que não sejam pessoas da nossa carreira. Então não é bem verdade que a PEC não nos atinja, ela pode não nos atingir em termos de direitos”, complementa Cynara Mariano. Na universidade, essa mudança envolveria a escolha de cargos como chefias de departamento, direção de centro e administração superior, por exemplo.
As alterações propostas pelo Governo Federal atingem servidores/es do Poder Executivo, Legislativo, Ministério Público e Judiciário. Apesar de o governo Bolsonaro afirmar que magistrados/as não serão impactados pelas novas regras, há alguns dispositivos que deixam a questão em aberto, como a proibição de férias superiores a 30 dias e o fim da aposentadoria compulsória como penalidade, duas medidas amplamente adotadas na magistratura. Conforme lembra a Profª. Cynara Mariano, também não há qualquer texto expresso – isentando magistrados/as das mudanças – na mensagem original que o Governo Federal enviou ao Congresso, a de nº 540, tampouco no texto da PEC.
A Reforma Administrativa também deve ser prioridade na agenda de lutas do Fórum Permanente em Defesa do Serviço Público no Ceará, no qual a ADUFC atua na Coordenação Geral. Nesta quinta-feira (29/10), será debatida a criação de campanha digital e nas ruas contra a proposta de Reforma Administrativa do governo Bolsonaro. O debate ocorrerá em plenária online, a partir das 16 horas.
– Conheça os retrocessos no serviço público impostos pela PEC 32/2020:
Quem são as pessoas afetadas?
Trabalhadores/as que ingressarem no serviço público depois da aprovação da PEC 32, embora, de forma indireta, todo o funcionalismo sofra as consequências das mudanças propostas.
Formas de ingresso:
Pelo texto da PEC 32, o ingresso no serviço público passa a ser por concurso ou seleção simplificada. O concurso só será aplicado para os cargos com vínculos indeterminados e os que vão ser considerados por lei complementar federal posterior como cargos típicos de estado. Para os demais cargos (aqueles com prazos determinados) e as novas funções de liderança e assessoramento, haverá uma seleção simplificada. A classificação final só acontecerá dentro do número de vagas do edital e entre os mais avaliados ao fim de um vínculo de experiência. Uma parte do estágio probatório será transferida para a etapa final do concurso. Os mais bem avaliados pela comissão serão selecionados.
Estabilidade:
Essa emenda constitucional acaba com a estabilidade para quem entrar no serviço público após a publicação da PEC, caso ela não sofra alterações durante a tramitação. Só terão estabilidade os servidores considerados integrantes de carreira típicos de estado, e quem definirá quais são essas carreiras será uma lei complementar federal a ser aprovada.
Perda de cargo público:
As possibilidades de perda do cargo só valerão para as carreiras típicas de estado, porque servidores/as das demais carreiras só vão poder ser demitidos quando o chefe quiser. Uma vez que não haverá estabilidade, não será necessária abertura de processo administrativo ou outro processo legal para a demissão. Apenas titulares de cargos típicos de estado terão a garantia de um processo legal para perda de um cargo. Essa situação vulnerabiliza excessivamente servidoras e servidores públicos/as, que poderão ser dispensados/as por razões banais.
Benefícios vedados:
Pelo texto atual da PEC 32, fica proibida a concessão de “licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada, ressalvada, dentro dos limites da lei, licença para fins de capacitação”. Assim, não serão mais permitidos pagamento de adicional por tempo de serviço, parcelas indenizatórias sem previsão legal, aposentadoria compulsória como comissão, redução de jornada de trabalho sem redução de remuneração, progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço e incorporação de acréscimo ou gratificação.
Fim do regime jurídico único:
A proposta de Reforma Administrativa analisada pelo Congresso acaba com o regime estatutário como único regime do serviço público. Apenas os cargos típicos de estado e os de liderança e assessoramento permanecem com o regime estatutário. A reforma amplia e banaliza as possibilidades de contratação temporária.