Na tentativa de evitar ainda maiores danos ao trabalho docente na Universidade Federal do Ceará (UFC), sob intervenção há mais de um ano, a Assessoria Jurídica da ADUFC-Sindicato protocolou, nesta quinta-feira (10/9), uma Ação Civil Pública na Justiça Federal com pedido de Tutela de Urgência. A judicialização tenta conseguir a finalização de concursos até a nomeação de docentes que já foram aprovados. A tese da ação movida pelo sindicato sustenta que não há impeditivo nenhum para a continuidade dos concursos e os candidatos devem ser nomeados imediatamente.
Para interromper concursos já em andamento, a UFC vem se ancorando na Lei Complementar (LC) 173, de 27 de maio de 2020 (antes PLC 39/2020), que descreve o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus (Covid-19). O Art. 8º dessa lei versa sobre a proibição de concessão de vantagem, aumento, reajuste, adequação de remuneração e outras medidas que possam gerar aumento de despesas relacionadas a gastos com pessoal na União, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios até o fim do ano de 2021. Contudo, a norma prevê exceções que devem ser observadas pela Administração Pública para que mantenha a continuidade da prestação dos serviços públicos.
A ação protocolada pela ADUFC rejeita a interpretação sobre a LC Nº 173/20 defendida pela UFC, que já foi expressamente afastada pela própria Advocacia Geral da União (AGU). O Parecer SEI n° 10970/2020, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que sustentava o entendimento defendido pela UFC, foi revogado pelo Parecer SEI nº 13053/2020/ME – este último expõe o entendimento que sustenta as teses defendidas na petição inicial da ADUFC.
Nos argumentos do novo parecer que revoga o anterior, o parágrafo 20 determina: “À luz do exposto, conclui-se pela revogação parcial do Parecer SEI no 10970/2020/ME, de sorte que a PGFN doravante segue o entendimento segundo o inciso IV do art. 8o da LC no 173, de 2020, autoriza admitir ou contratar pessoal como reposição de vacância de cargo efetivo ou vitalício, independente de quando tenha ocorrido a respectiva vacância”.
Reitoria da UFC aponta para ações deliberadas de não investimento em educação
O perigo de dano já se mostra evidente, na medida em que a universidade está funcionando com o desfalque de diversos professores. “Isso gera prejuízos enormes aos
estudantes e aos beneficiários das ações de extensão da UFC, as quais, por sua vez, beneficiam a sociedade como um todo e não apenas os integrantes da comunidade acadêmica”, descreve a Ação Civil Pública.
Na avaliação da ADUFC, a atitude da UFC é “casada” com as diretrizes do governo Bolsonaro de enxugar a qualquer custo investimentos com educação – parte do orçamento do ano passado, por exemplo, sequer foi utilizado. A tentativa do governo é de passar a imagem de que há “sobras”, quando, na verdade, há uma opção consciente de não se investir em educação. E isto, ao custo de prejudicar a qualidade do ensino.
A não contratação de professores aprovados em concursos da UFC requer a necessidade de uma decisão judicial, principalmente porque os gastos para este ano estão previstos na lei orçamentária e a universidade, de forma deliberada, não os utiliza, prejudicando a própria instituição e a comunidade acadêmica como um todo.
No texto protocolado na Justiça Federal, a Assessoria Jurídica da ADUFC argumenta ainda que a manutenção da situação atual pode gerar uma torrente de ações judiciais que vão gerar “prejuízos financeiros completamente evitáveis à administração pública”, de modo que evitar tal situação é medida necessária. É preciso observar, segundo o documento, que os aprovados nos concursos públicos podem ser inequivocamente prejudicados, caso precisem esperar até o fim do processo para que a tutela jurídica seja deferida. Isto porque dependerão da previsão de autorização orçamentária do próximo exercício financeiro para serem nomeados e, além disso, há a questão do prazo de validade dos concursos.
ANDES-SN e Andifes também pediram revisão de parecer que restringe nomeação de servidores
A revisão no parecer anterior da PGFN foi fruto do pedido de inúmeros órgãos e entidades, como o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que permanecia em contato com a Secretaria de Educação Superior (SESu/MEC) e com a própria PGFN para tratar sobre as normativas da LC 173. O ANDES-sn e a Andifes batalharam para mudar o parecer, que era equivocado. A ação da ADUFC entra para garantir a efetividade dessa mudança de entendimento da PGFN.
Mais recentemente, em 25 de agosto, a Assessoria Jurídica Nacional (AJN) do ANDES-SN emitiu Nota Técnica em que também analisou o Parecer SEI n° 10970/2020 – já revogado. A nota da ANJ avaliou, que é possível a admissão de pessoal sempre que observadas vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, nos termos do art. 33, da Lei nº. 8.112/90. E que também seria possível a contratação de temporários nos exatos termos previstos no art. 2º, da Lei nº. 8.745/93, conforme previsto no art. 37, IX, da Constituição Federal.
O processo de reposição de vagas em
cargos efetivos nas universidades federais foi tratado, também em 25 de agosto,
em reunião entre a coordenação do Fórum Nacional de Pró-reitores de Gestão de
Pessoas da Andifes (Forgepe) e o Ministério da Economia (SGP/SEDGG/ME). Há
uma grande preocupação com a reposição dos servidores, sobretudo, porque as
universidades já estão retomando as atividades, ainda que remotamente.
O presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Prof. Edward
Madureira, afirma que os recursos humanos são os elementos mais importantes das
atividades de ensino, pesquisa e extensão. A avaliação da Andifes dialoga
com o que defende a ADUFC. Impedir a reposição de profissionais das
universidades cria uma situação de “dificuldade intransponível para atividades
de ensino e pesquisa e o necessário apoio administrativo”, avalia o Prof,
Edward.
A coordenadora do Forgepe, Profª. Mirian Dantas, explica que as universidades federais operam em regime especial de reposição de servidores, de acordo com a lei 8.112/90. Os concursos e nomeações de docentes e técnicos têm dinâmica quantitativa, qualitativa e temporal próprios regidos pelo Banco de Professor Equivalente – BPEq (Decreto nº 7.485/2011) e pelo Quadro de Referência dos Servidores Técnico administrativos em Educação – QRTAE (Decreto nº 7.232/2010).
Além de representantes da PGFN, SESu e Secretaria Executiva do MEC, também participaram da reunião integrantes das pró-reitorias de pessoal das universidades federais. Na ocasião, o ME informou que já estava sendo realizada uma revisão do parecer reconhecidamente restritivo e que estavam sendo considerados vários questionamentos, como os da Andifes. Na reunião do dia 25, o ME também se comprometeu a levar em consideração todos os argumentos apresentados pela entidade e que poderão subsidiar novos ajustes a serem feitos no parecer.
Estatuto da ADUFC: ligação direta com objeto da ação
Buscar o preenchimento das vagas ociosas de professores do ensino superior também faz parte do interesse direto dos professores da UFC – tendo em vista que as suas condições de trabalho são objetivamente prejudicadas. Deixar de nomear candidatos já aprovados em concurso é grave e a ADUFC entende que o objetivo dessa ação é diretamente ligado, inclusive, ao próprio estatuto do sindicato.
Em seus incisos IV e VII, destacados na ação, o estatuto reforça o compromisso com lutas como a defesa do ensino público e gratuito de boa qualidade, em todos os graus, no Brasil; e a defesa de uma sociedade justa e igualitária. A Assessoria Jurídica do sindicato enfatizou, ainda na peça jurídica, também o inciso VIII do estatuto, que reafirma a busca da ADUFC pela articulação com entidades representativas dos professores, da comunidade científica, dos trabalhadores em geral e dos outros setores, na luta pela democratização e pelos interesses do povo brasileiro.
Embora o interventor da UFC ignore, deliberadamente, a força e a representatividade da ADUFC, o estatuto do sindicato afasta qualquer dúvida acerca da legitimidade da entidade no que diz respeito ao objetivo da ação. Para o sindicato, não dar continuidade aos concursos na universidade é um alinhamento claro à política de perseguição aos servidores públicos por parte do governo federal, e que acaba respingando na UFC. O fato de a universidade estar sendo gerida por um interventor ideologicamente ligado ao autoritarismo do presidente da República, que ataca a autonomia universitária, auxilia o propósito claro de ataques aos servidores públicos. E o de não reconhecimento da importância destes para a sociedade – a exemplo da própria Reforma Administrativa encaminhada na última semana ao Congresso Nacional.
(*) Com informações da Andifes e do ANDES-SN.