Ingrid Lorena da Silva Leite (Assistente social e Doutoranda em Sociologia)
A pandemia que estamos vivenciando nos levou a um isolamento social que nos trouxe a necessidade de sentir o tempo com demarcações especificas e peculiares. Um tempo que os nossos sentimentos e emoções conduzem e exigem um olhar para dentro, tateando nossas forças, nossas lutas e memórias. Quem nos ensina e partilha essa capacidade de “olhar” são as mães de jovens vítimas da violência do Estado. Mulheres que em suas trajetórias de vida a resistência se faz presente cotidianamente, que a força se torna possibilidade de existir e vivenciar a maternagem situada nas margens da cidade de Fortaleza. A dimensão para essa atividade consiste na luta, que nunca esteve propriamente ausente, mas que se destaca nos tempos contemporâneos notadamente porque essa característica de mãe aufere visibilidade nas denúncias e se fortalece por intermédio de seus relatos sobre sua dor, indignação e revolta ao tomarem conhecimento das violências que seus filhos, jovens moradores de bairros periféricos, se encontram submetidos, seja, nos centros educacionais, no sistema penitenciário ou nas ruas da cidade. Mães que enterram corpos, mas não histórias de vidas. O movimento de Mães e Familiares do Ceará com suas três bandeiras de luta: justiça, direitos e memória, precisou reinventar coragem e união para ressignificar esses tempos marcados por outro tempo, sobretudo onde “na periferia com ou sem pandemia o Estado mata todo dia”. Com as palavras de ordem “juventude quer viver”, “nosso direito de mãe”, “não podemos ir pra rua, mas nossa voz faz barulho”, as mães através da memória de luto e vida, trazem à tona não só o passado, mas também o presente, o agora. Suas memórias individuais e coletivas aparecem como força profunda, ativa, latente, oculta e invasora. (BOSI, 1994). A Pandemia parece transfigurar as lembranças na carne viva do coração impulsionando a necessidade de lutar e continuar lutando não só pelos filhos assassinados, torturados, mas pelas juventudes plurais que estão nas periferias, que estão expostas as múltiplas vulnerabilidades e desigualdades sociais, juventudes que sentem na pele um Estado punitivo e racista. A pandemia não cessou a violência contra a juventude cearense. O Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará publicou um relatório revelando que de janeiro a maio de 2020, ocorreram 798 assassinatos de adolescentes e jovens de 12 a 24 anos, representando 42,29% do total de mortes violentas deste período. Diante disso, as mães e familiares vítimas da violência nos ensinam e partilham a necessidade de construirmos e alimentarmos nossas redes de afetos, redes de resistência e de sobrevivência que nos mostra a pulsão de vida que o movimento provoca. Elas nos instigam a pensar nossas emoções políticas como resistências afetivas vitais para reinventar o sentido de estar viva. Aqui a dor não some, a tristeza aparece, as lágrimas limpam, o grito ás vezes sufoca, a dor é insistente, mas as mães estão juntas, caminham de mãos dadas, constroem seus círculos de experiências, fazem emergir suas diferenças e conflitos. As mães nos ensinam como fazer política de sentidos. As mulheres que estão nessas redes, movimentos, grupos, muitas vezes chamadas de “guerreiras” cansam de guerrear, e olham para dentro em busca de acolhimento para poderem continuar. A luta e estar na luta nunca foi fácil, sobretudo para elas, nesse tempo de isolamento, de forma coletiva estão buscando mais uma vez reinventar as memórias, reelaborar práticas de coragem e amor. Nos encontros virtuais que estão sendo realizados durante a pandemia, elas falam de autocuidado, intensificam suas trocas e experiências, encontram aconchego, provocam gargalhadas contando como foi divertido aprender “a mexer nesse negócio de tecnologia”. Elas fazem lives e reuniões online. A leveza, a alegria surge nos detalhes da vida. Nas chamadas virtuais, nas ligações diárias formam teias fortalecidas de esperanças para dias melhores. O sentido de estar na luta parece ser potencializado, o sentido da vida ressignificado. E o olhar para dentro é perceber a importância de caminhar em tempos difíceis. A maior lição deixada por essas mulheres é a da empatia pelo sofrimento coletivo. Hoje vivemos com o medo de perder nossos familiares e parentes de forma repentina para a doença. Perder repentinamente faz parte das histórias dessas mulheres que perdem seus filhos precocemente. Agora essa emoção nos coloca lado a lado delas. Com a diferença que para os filhos das mães das periferias, não só o vírus pode ser letal.