Uma audiência pública em defesa da autonomia nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) foi realizada nesta quarta-feira (27/11), na Assembleia Legislativa do Ceará, em Fortaleza. A atividade, organizada pela Comissão de Ciência e Tecnologia da casa, atendeu requerimento do mandato do deputado estadual Renato Roseno (Psol), que foi provocado pela ADUFC-Sindicato e o Comitê em Defesa da Autonomia Universitária. O Ministério da Educação (MEC) também foi convidado a enviar representante, mas informou à Comissão que não compareceria.
O presidente da ADUFC, Bruno Rocha, um dos componentes da mesa, contextualizou o processo de intervenção na Universidade Federal do Ceará (UFC) desde o dia 19 de agosto último, quando Cândido Albuquerque foi nomeado como interventor pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Esse projeto foi amplamente rejeitado na consulta à comunidade universitária e recebeu apenas 610 votos, num universo de mais de 11 mil votantes. “Isso gerou uma revolta generalizada na comunidade universitária e proporcionou, em menos de 24 horas, a realização de um ato com mais de 6 mil pessoas no cruzamento das avenidas da Universidade com 13 de Maio, em frente à Reitoria”, rememorou Rocha, acrescentando que a forte mobilização levou à criação do Comitê em Defesa da Autonomia Universitária.
De acordo com o presidente da ADUFC, o movimento que vem sendo construído e ampliado na luta em defesa da autonomia universitária luta contra os inúmeros efeitos negativos de uma nomeação que vai à revelia de uma decisão da comunidade. A ameaça direta à autonomia administrativa, financeira e didático-cientifica das instituições e a redução da democracia são o principal deles. “O CONSUNI (Conselho Universitário) da UFC rejeitou o Future-se e, após tomar posse, a primeira fala do interventor foi dizer que vai rever essa decisão. E isto porque ele é favorável ao Future-se. Aqueles 610 votos que ele teve lhe dão o direito de ele passar por cima do CONSUNI, que é a instância máxima dentro da universidade?”, questionou. Rocha destacou ainda a censura a eventos no ambiente acadêmico, a política de redução democrática, a inoperância administrativa e os ataques a servidores.
O deputado Renato Roseno, que conduziu a audiência, destacou que a democracia nas IFES vem sendo atacada “de maneira muito violenta”. E relembrou que, apenas este ano, sete instituições federais não tiveram respeitadas as escolhas dos seus dirigentes. “Além disso, há um projeto indiscutível de colocar a sociedade brasileira contra as universidades públicas”, enfatizou o parlamentar, citando os inúmeros ataques do próprio ministro da Educação, Abraham Weintraub, a essas instituições – um dos mais graves deles ocorrido recentemente. Durante a audiência, Roseno fez um repúdio veemente ao que ele chamou de “declarações absolutamente descabidas” do ministro. Na avaliação dele, é indubitável uma intenção explícita e deliberada de colocar a sociedade brasileira contra a universidade pública, cujo desmonte “interessa, sobretudo, a setores que querem transformar a educação em mercadoria”.
Ensino superior: comunidade representada
Estudantes, servidores docentes e técnico-administrativos das IFES participaram amplamente do debate, que durou quase três horas. Representando a Associação Nacional das IFES (Andifes), o reitor da Universidade Federal do Cariri (UFCA), Ricardo Lange, contabilizou os atuais 17 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional e que versam sobre a autonomia das universidades. Ele destacou, entre eles, o PL do deputado federal Gastão Vieira (Pros-MA), que visa regulamentar o que está posto no artigo 207 da Constituição Federal e que trata da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades. Durante a audiência, foram diversas as referências feitas aos ataques que a própria Constituição vem sofrendo, diretamente aplicados ao referido artigo.
Stefany Aragão, membro do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFC, destacou as dificuldades para cursar a universidade após o corte de bolsas de estudo. “Para além de falar dos nossos direitos e de tudo o que esse projeto ataca, eles também estão querendo atacar os nossos sonhos. É um projeto que tem um alvo, que é o povo”, disse ela. Stefany também é aluna do Curso de Pedagogia e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid).
“O ataque à autonomia mascara a realidade para estabelecer inimigos fantasmagóricos, como a universidade, os professores e a ‘doutrinação’, e não as condições materiais e objetivas, como a infraestrutura, a escassez de recursos, as carreiras defasadas, o achatamento dos salários e insuficiência da assistência estudantil”, defendeu a coordenadora geral do Sindicato dos Servidores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (SINDSIFCE), Artemis Martins. Também participaram da mesa a tesoureira do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), Raquel Dias; o coordenador de Campi Avançado do Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Federais do Estado do Ceará (SINTUFCE), Wagner Pires; e outro membro do DCE da UFC, o estudante Douglas Araújo.
Ato no dia 29/11: estudantes contra o autoritarismo
Participantes da mesa e da plateia também denunciaram a gravidade da Portaria nº 183, de 21 de novembro de 2019, instituída pela Reitoria, que visa alterar a alocação de bolsas nos programas acadêmicos da UFC, sem ampla discussão e sem a aprovação do CEPE. Na prática, ela ameaça dois importantes projetos de concessão de bolsas dentro da universidade: o Programa de Aprendizagem Cooperativa em Células Estudantis (PACCE) e o Programa de Estímulo à Cooperação na Escola (PRECE). Com a Portaria, o interventor está criando uma nova metodologia de legislação na universidade, segundo a qual ele pode alterar uma Resolução do CEPE. Entenda mais clicando aqui.
Na defesa do PACCE e do CEPE, uma manifestação/debate vai ser realizada na manhã desta sexta-feira (29), nos jardins da Reitoria, a partir das 9 horas. Os estudantes também vão pautar no ato a luta: contra o autoritarismo do interventor, contra as perseguições da Reitoria, contra a portaria do clientelismo e em defesa da autonomia estudantil. A manifestação está sendo convocada pelo DCE/UFC e pelo Comitê em Defesa da Autonomia Universitária.
Os manifestantes também lutam contra o que afirmam ser perseguição e intimidação aos estudantes por parte da Reitoria. Em sua fala, Douglas de Araújo destacou os desafios enfrentados pelo movimento estudantil, como a tentativa do reitor de anular as eleições do DCE, com um processo que tinha como base um regimento da UFC produzido na época da Ditadura Militar. Através de uma ação civil pública contra a Comissão Eleitoral para as Eleições do DCE e dos representantes discentes nos conselhos superiores da UFC, foi pedida a suspensão da homologação e posse dos representantes discentes eleitos. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) no dia 30 de outubro último.
Propostas da ADUFC
Durante a audiência pública, entre as diversas propostas dos participantes, o presidente da ADUFC destacou e encaminhou à Comissão de Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa: a realização debate sobre os impactos dos cortes do Future-se no financiamento das universidades em C&T; a construção de uma nota conjunta em defesa das universidades e institutos federais, diante dos ataques do ministro da Educação; a solicitação ao MEC de esclarecimentos sobre a discricionariedade do ato na UFC; e a apresentação à bancada federal do estado da necessidade de alteração da lei da nomeação de reitores para a extinção da lista tríplice e que a consulta torne-se eleição a fim de respeitar a autonomia universitária (PL 4998/2019).