O projeto Future-se do governo Bolsonaro para as universidades e institutos federais é, antes de tudo, um projeto de descompromisso do Estado com a educação pública. Não por acaso ele surge num contexto de cortes profundos e indiscriminados nos orçamentos públicos de creches, escolas e universidades. No powerpoint de Weintraub, os cortes, a redução dos recursos para a educação pública e a irresponsabilidade do governo com o futuro de nossas crianças e jovens são apresentados como suposto aumento do financiamento privado, como arrojo e empreendedorismo. Todos os recursos da pirotecnia virtual foram utilizados para converter uma coisa na outra.
De fato, o Future-se é um projeto de economistas com trajetória de atuação no mercado financeiro e um modelo de financiamento da educação que nada tem a ver com educação. Sendo um projeto de financistas, o centro da proposta é a perspectiva de um fundo de 102 bilhões, a ser constituído com o patrimônio imobiliário das próprias universidades, além de outros aportes da União, a ser negociado em bolsa de valores. Entre as instituições de ensino superior públicas e esse fundo, o MEC propõe a intervenção de Organizações Sociais (OSs), espécies de “superfundações” com poderes para decidir sobre financiamento de planos de ensino, pesquisa e extensão, sobre os investimentos e o patrimônio das instituições, assim como sobre gestão de pessoal.
Isso significa que a formação superior e a produção de pesquisa no Brasil serão direcionadas por uma empresa privada, gerida por executivos do mercado financeiro interessados em ganhar polpudas comissões e totalmente sem compromisso com a função social das instituições. É para essa aventura sem garantias e talvez sem retorno que o Ministério da Educação está convocando as universidades e institutos federais.
Hoje as decisões sobre ensino, pesquisa e extensão levam em consideração a necessidade, a relevância e o impacto social e não são determinadas pelo potencial de lucratividade. Por isso, a universidade pode dedicar-se a projetos sobre doenças negligenciadas, saúde preventiva, danos dos agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente, preservação e conservação da biodiversidade, saneamento básico, fontes alternativas de energia, economia solidária, políticas públicas para comunidades carentes, melhoria da qualidade na saúde e na educação públicas e tantos outros.
Outro aspecto basilar do Future-se é que as instituições federais de ensino superior são concebidas como empresas privadas, com gestão privada e dirigidas para o lucro, num modelo que estimula inclusive a competição interna e a busca do lucro individual pelos professores. Num contexto de menos (e não de mais) recursos, a tendência será a concentração crescente em algumas áreas de interesse do mercado em determinado momento e a destruição ampla dos demais esforços de pesquisa pela falta ou mesmo pela descontinuidade de investimento.
Os objetivos de formação e produção de conhecimento ficam, assim, inteiramente subordinados à lógica imediatista e concentradora do mercado.
Importante também ressaltar, diante de uma proposta que coloca a competição como princípio organizador do mundo, a função redistributiva, democratizante e inclusiva assumida pelas instituições públicas de ensino superior, sobretudo nos últimos anos. Universidades públicas e institutos federais são hoje algumas das poucas instituições brasileiras que têm conseguido superar as segregações de classe e raça que marcam profundamente nossa sociedade. Nas suas salas de aula e laboratórios, bibliotecas e auditórios, em todos os cursos, estão hoje lado a lado o filho do trabalhador da construção civil e o do engenheiro; a filha da diarista e a do médico; o filho do auxiliar de escritório e o do advogado; a filha do pequeno comerciante e a do administrador de empresas etc. Por mais que as condições de estudo dos pobres seja mais difícil, a realidade do acesso comum ao ensino público superior de qualidade existe. E essa é uma experiência nova, talvez a maior inovação que a universidade pública tenha criado em contraponto à grave desagregação que acomete a sociedade brasileira. O Future-se, por sua lógica concentradora e excludente, vai ser o fim dessa experiência.
O atrativo oferecido pelo MEC seria uma suposta autonomia financeira das IFES, baseada naquele Fundo gerido por uma empresa privada (OS). Mas, lendo bem a apresentação disponibilizada pelo governo, parece justamente o contrário. Os professores vão trabalhar para alimentar esse fundo vinculado ao MEC, enquanto o patrimônio imobiliário das IFES constituirá o lastro da jogatina financeira dos fundos de investimento.
Nesse sentido, queremos alertar os docentes e toda a comunidade universitária, assim como a sociedade em geral, para o potencial destrutivo do Future-se. Esse projeto foi concebido por agentes que não têm compromisso com a educação pública nem com a produção do conhecimento no país. É um projeto de financistas querendo fazer dinheiro às custas do patrimônio material e imaterial arduamente construído pelo povo brasileiro. Conclamamos todos a cerrar fileiras contra esse nefasto projeto, a desmascarar as ilusões fáceis que ele apregoa, a mostrar que quem pensa não se deixa enganar. Nós defendemos a universidade pública e gratuita! Não estamos à venda!