Debate foi a primeira atividade do Fórum Cearense em Defesa da Educação Federal (Fotos: Nah Jereissati/ADUFC)
O Fórum Cearense em Defesa da Educação Federal, do qual a ADUFC participa na coordenação colegiada, realizou, na última quarta-feira (18), sua primeira atividade: uma mesa para discutir “Orçamento público e a luta pela garantia de direitos”, no auditório Rachel de Queiroz, no Centro de Humanidades 2 da Universidade Federal do Ceará (UFC). Entraram em debate temas como as limitações do financiamento público de educação no Brasil e a dominância do mercado financeiro na definição das prioridades orçamentárias, a exemplo do pagamento de juros da dívida pública – que chega ao triplo dos gastos com educação no Produto Interno Bruto (PIB).
Participaram como palestrantes a economista Gisella Colares, da coordenação da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) e servidora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e Marcelo Lettieri, da Diretoria do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Tesouro Nacional (Sindifisco). A mediação ficou com a presidenta da ADUFC, Profª. Irenísia Oliveira.
Marcelo Lettieri fez uma apresentação avaliando o subfinanciamento da educação pública no país – agravado por instrumentos legais recentes, como a Emenda Constitucional 95/2016, que impôs um limite aos gastos sociais, e o novo arcabouço fiscal, aprovado no ano passado e considerado uma versão mais tênue do teto de gastos. “O arcabouço é menos ruim do que o teto de gastos, que era desastroso, mas ainda é um limitador muito grande para o financiamento da educação (…) Se continuarmos com as restrições que temos hoje, vai ser muito difícil chegarmos aos 10% de investimento em Educação no PIB (previstos no PNE para 2036)”, disse.
O dirigente do Sindifisco fez um comparativo entre os gastos com Educação no Brasil e nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Enquanto em 2021 o Brasil investiu 3.668 dólares por aluno no ensino fundamental, a média da OCDE foi de 11.914 dólares, apontou. Ainda segundo ele, mais de sete mil escolas no país não possuem acesso à água potável, das quais 6.363 não têm esgotamento sanitário, e 48% não têm bibliotecas. Também apontou uma queda de 2,5% nos investimentos no setor entre 2015 e 2021, indo na contramão dos países mais ricos.
O Nordeste é a região com a menor execução orçamentária per capita na área, atingindo uma taxa de analfabetismo funcional de 19%. Ele teceu críticas a avanços “artificiais” na Educação propagados por estados como o Ceará, cujo foco é nos resultados dos exames de avaliação da aprendizagem que não trazem impactos estruturais. “Essas práticas escondem os problemas e potencializam o discurso de que dá para fazer com pouco dinheiro”, avaliou.
Endividamento público gera apropriação da riqueza social por uma elite
Gisella Colares expôs um gráfico mostrando que os gastos do PIB (19%) com o pagamento de juros da dívida pública chegam ao triplo dos investimentos em Educação (6%). Essa fase atual do capitalismo rentista alimenta o que ela chama de “mais-valia social”, quando o orçamento e o fundo público passam a ser um instrumento de apropriação da riqueza privada produzida socialmente. “A partir da metade do século XX, o endividamento público constituiu o principal mecanismo para essa apropriação da riqueza por uma elite”, apontou, traçando um paralelo entre essa dinâmica orçamentária e a escassez de recursos e direitos à qual está submetida grande parte da população.
Também foram lembradas as sucessivas tentativas de derrubar os mínimos constitucionais garantidos de 25% da receita de impostos dos estados e municípios e de 18% da União para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. “A gente tem uma ameaça da relativização e da retirada do mínimo constitucional, que é um dos pilares da garantia de direitos que a nossa Constituição trouxe (…) O orçamento público está em disputa e atualmente a gente está perdendo”, ressaltou. “Não existe luta pela educação se não existir luta por todos os outros direitos e pela recomposição da nossa Constituição”, completou.
Os dois debatedores abordaram o factoide propagado pelo mercado financeiro brasileiro sobre o superávit primário – na prática, a equiparação das contas públicas à lógica do orçamento doméstico: despesas sempre inferiores às receitas, mesmo incorporando o interminável pagamento dos juros da dívida pública. “No contexto mundial atual, a maioria dos países não está rendida à filosofia do equilíbrio fiscal que é imposta no Brasil como uma verdade inquestionável como sendo um pressuposto técnico e neutro”, comparou Gisella.
Conforme explicou a integrante da Auditoria Cidadã da Dívida, no Brasil, diferentemente da maioria dos países, o endividamento público não é fiel ao propósito de viabilizar o desenvolvimento econômico e social de forma equitativa. “Aqui o sistema de dívida alcança limiares inimagináveis na transferência de renda da classe trabalhadora para o grande capital”, reforçou a economista.
Ao final das exposições, a Profª. Irenísia Oliveira agradeceu a participação dos debatedores e assegurou que o tema voltará a ser pautado pelo Fórum Cearense em Defesa da Educação, uma vez que a apropriação desse conteúdo é fundamental para fortalecer as lutas sociais. “Foram falas muito interessantes e com muitas informações que nos ajudam a pensar esse quadro muito grave”, avaliou.
O Fórum Cearense em Defesa da Educação é uma das consequências diretas da mais recente Greve Docente Federal (da Campanha Salarial 2024), que fortaleceu a unidade na luta entre os três setores da universidade: docentes, técnico-administrativos e estudantes. No Ceará, a ADUFC participa da coordenação do coletivo ao lado de outras entidades ligadas à educação federal, como SINTUFCE, SINDSIFCE e suas entidades representativas nacionais (ANDES-SN, FASUBRA e SINASEFE), Diretório Central dos Estudantes (DCE-UFC), União Estadual dos Estudantes do Ceará/Livre (UEE), dentre outras. As reuniões ocorrem mensalmente e as deliberações se dão por consenso.