A segunda conferência do ciclo de debates Democracia e Emancipação, promovido pela ADUFC, abordou “O papel da educação e dos trabalhadores na luta pela democracia”, na noite da última quarta-feira (15), na sede do Sindicato em Fortaleza. O painel contou com a exposição conduzida pelo Prof. Antônio Cruz, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e uma mesa de debate com a Profª. Zuleide Queiroz, da Universidade Regional do Cariri (URCA) e 2ª vice-presidenta do ANDES-SN; e o Prof. Nilson Cardoso, presidente eleito do Sindicato de Docentes da Universidade Estadual do Ceará (Sinduece). A diretora de Assuntos de Aposentados da ADUFC, Profª. Lena Espíndola, mediou a conversa.
O docente da UFPel fez um passeio histórico pela política brasileira e avaliou que o crescimento da extrema-direita não é um problema exclusivo do nosso país, mas é necessário refletir sobre o que nos trouxe até aqui e caminhos para superar esse cenário. “O fascismo, ou pelo menos a visão conservadora do mundo representado por Jair Bolsonaro, está na sociedade brasileira há muito tempo, mas entre os 10% de votos do Plínio Salgado em 1955 (com a Ação Integralista Brasileira) e os 49% de Jair Bolsonaro em 2023, podemos dizer que essa direita avançou bastante, pelo menos do ponto de vista eleitoral”, analisou. “A democracia está em perigo e não é só no Brasil”, completou Cruz.
Como alavanca desse fascismo crescente está o que o pesquisador chama de “desmanche” do mundo tradicional e estável. “Nós precisamos de uma alternativa válida para resolver esse mundo que está se desmanchando”, resumiu. A realidade apontada pelo Prof. Antônio Cruz é facilmente reconhecida em um mundo atual marcado por sucessivas recessões econômicas, pelo desmonte dos postos de empregos formais, pela uberização do trabalho e pelo triunfo da lógica do empreendedorismo. “Nós viemos de uma época em que o sonho era ter um bom emprego. E hoje não é assim. Os mais jovens querem ter bons rendimentos, mas não um patrão”, contextualizou.
Esse padrão fragmentado que marca a pós-modernidade caracteriza-se, por exemplo, pela falta de identidade coletiva das pessoas como classe trabalhadora. É justamente essa dissociação e esse não reconhecimento, conforme apontou o expositor, que afastam trabalhadores e trabalhadoras da luta sindical. Esse ponto foi embasado a partir de dados sobre empregos, apresentados por Antônio Cruz. De acordo com ele, são 99 milhões de ocupados no Brasil, sendo 66 milhões do setor privado. Se considerarmos a população brasileira, a relação é de um trabalhador (de empresa privada) para dois não trabalhadores, dos quais apenas uma minoria ínfima é filiada a centrais sindicais – não chega a 10 milhões o número estimado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pela CSP-Conlutas.
“Temos um problema sério: estamos educando as pessoas para quê? Para que tipo de sociedade? Como pretendemos superar essas múltiplas crises (capitalismo, de valores, de inter-relação entre as pessoas etc)? Se elas não têm saída para o futuro, preferem voltar para o passado”, destacou Antônio Cruz.
“Precisamos avançar nesse conhecimento que vai para além-mar do Ocidente”
A Profª. Zuleide Queiroz (URCA), por sua vez, ponderou que o crescimento da intolerância e dos discursos de ódio contra populações socialmente excluídas é atravessado muitas vezes pela resistência de grupos que não aceitam perder privilégios históricos. “Não existe mais mundo para eles, porque estamos trazendo outra concepção de mundo. Nosso maior desafio na educação superior é conseguir avançar nesse conhecimento que vai para além-mar do Ocidente. É preciso compreender a formação do povo brasileiro”, opinou. “Quando a gente defende que quer uma universidade pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada, a gente abre o leque para dizer que a democracia estabelecida antes não dá mais conta”, complementou.
Na avaliação da docente, é fundamental disputar narrativas, conhecimento, conceito de ciência e discutir para quem serve esse conhecimento e quem está enriquecendo com ele. “Essa classe que vem para a universidade, empobrecida, enegrecida traz esse novo conhecimento, o conhecimento ancestral, reforçando que existe conhecimento para além do Ocidente”, ressaltou. “Aquele antigo sonho que tínhamos de estudar para ser alguma coisa, esse sonho continua. A classe trabalhadora, mesmo nas condições que ela vive hoje, continua buscando essa formação superior”, disse.
O Prof. Nilson Cardoso (UECE) defendeu uma reformulação do processo formativo nas universidades, especialmente nas licenciaturas, de modo que o conteúdo em sala de aula não se limite ao tecnicismo. “O professor universitário não se reconhece como classe trabalhadora, só o sindicato. Não reconhecer isso faz com que eu não imprima esse sentimento nesses alunos, muitos dos quais serão professores”, destacou. “Enquanto não tivermos um novo modelo de formação que nos permita fazer esses apontamentos, continuaremos fazendo esse debate com poucas pessoas”, pontuou.
O presidente da ADUFC-Sindicato, Prof. Bruno Rocha, acompanhou o debate e lembrou que o que está em jogo é a disputa por um projeto de educação. “A gente escuta de um empresário que emprega duas pessoas que ele tem que votar em Bolsonaro, do Uber, do entregador… E a gente sabe da fragilidade desses tipos de trabalho. Estamos nessa disputa. A fragmentação e o individualismo passam por isso, de não se reconhecer como trabalhador”, reforçou.
O ciclo de debates “Democracia e emancipação: o papel da educação e da classe trabalhadora”, promovido pela ADUFC, teve início no dia 9 de fevereiro, com palestra do filósofo e docente da USP Vladimir Safatle e do Prof. Custódio Almeida (UFC). No dia seguinte (10/2), Safatle lançou o livro “Em um com o impulso”, na sede da ADUFC em Fortaleza. Os eventos seguem até abril e abordam diferentes temas relacionados à luta sindical e à organização dos trabalhadores, com debates na capital e no interior.