As discussões sobre o futuro das universidades com a iminência do novo governo federal começaram a ser retomadas pela categoria docente em âmbito local. Como parte do Projeto “Observatório de Transição Democrática”, foi realizada nesta terça-feira (13/12), uma conferência com Gustavo Balduino, secretário executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), no auditório do Centro de Ciências da Universidade Federal do Ceará (UFC), no campus do Pici em Fortaleza. A ADUFC participou da mesa, a convite da organização do evento, e fez a transmissão da atividade em tempo real no canal do sindicato no YouTube – com interpretação em Libras.
O projeto é realizado em parceria entre três entidades: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF), além da própria da ANDIFES. O debate “O papel da ANDIFES e o futuro das universidades federais” pautou, ainda, os reflexos da intervenção nas universidades, especialmente na UFC – a instituição não integra mais a composição da ANDIFES desde julho de 2021, por decisão unilateral e arbitrária do interventor Cândido Albuquerque.
Por reiteradas vezes, Gustavo Balduino enfatizou em sua conferência a relevância da ANDIFES nas lutas em defesa da democracia. “Reputo talvez como uma das coisas mais importantes que a ANDIFES fez nos últimos tempos”, afirmou. Ainda no começo de 2022, a associação já se articulava na defesa do processo eleitoral que se avizinhava para a escolha do chefe do Executivo. “Os reitores estavam preocupados com as notícias e com os posicionamentos que caminhavam na sociedade de questionamento das eleições”, relatou.
Já em abril último, segundo Balduino, a ANDIFES havia procurado o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin. “Precisávamos hipotecar nosso apoio ao processo eleitoral, reconhecendo a lisura das urnas e afirmando, enquanto parcela significativa da sociedade, que estaríamos vigilantes e atentos a qualquer tentativa de burlar esse processo”, disse Gustavo Balduino. Em 24 de junho, foi realizada uma audiência entre o TSE e a ANDIFES, em defesa da democracia, da realização de eleições livres e a confiança no sistema eleitoral brasileiro.
Gustavo Balduino ressaltou que a ANDIFES tem usado, nesse sentido, o que ele chama de “prestígio político” da entidade como “o conjunto de universidades federais que tem relevância e responsabilidade com a democracia brasileira”, para além da responsabilidade com educação, ciência, tecnologia e extensão. O secretário executivo lembrou que a ANDIFES é o sistema nacional composto por “todas as universidades federais que têm capilaridade e relações políticas nos estados e o respeito da sociedade”; e que, como entidade, ela “empresta esse cacife dela para poder defender a democracia”.
UFC fora da ANDIFES em 2021: reflexos da intervenção nas universidades
O fato de a UFC não integrar mais a composição da ANDIFES segue gerando desconforto e apreensão na comunidade acadêmica e também reverberou durante o debate. A desfiliação ocorreu em 29 de julho do ano passado, em mais uma decisão unilateral e arbitrária do interventor Cândido Albuquerque. Para se desfiliar da entidade, na qual participava com função institucional, seria necessária a apreciação do Conselho Universitário (CONSUNI), o que não ocorreu. “Fez muita falta essa saída da UFC da ANDIFES e foi muito chocante para a nossa comunidade”, reiterou a Profª. Cláudia Linhares (UFC), que também é secretária geral da SBPC. Ela lembrou que as lutas em comum das entidades que defendem a educação e a ciência começaram em 2016 “e toda a agenda de desmonte” que foi mostrada nas falas do conferencista e demais participantes do debate que se seguiu.
Desde a saída da UFC da ANDIFES a ADUFC demonstrou total repúdio e buscou diversas formas – inclusive as possibilidades legais – de enfrentar a situação. “Esse foi só mais um reflexo do que a gente chama de um processo doloroso de intervenção do governo Bolsonaro nas universidades federais”, destacou o presidente da ADUFC, Prof. Bruno Rocha. Para o docente, que participou da mesa de debates a convite da organização da conferência, a saída marcou aspectos da intervenção em nível nacional. Em nível local, na UFC, Bruno exemplificou outras consequências nas universidades, como a perseguição de docentes e as tentativas de abertura de Processos Administrativos (PADs) – todos barrados com apoio da Assessoria Jurídica da ADUFC.
“Além das inúmeras tentativas de ‘passar com um trator’ com propostas de resolução que não foram discutidas com a comunidade universitária”, acrescentou Bruno Rocha, enfatizando o que ele classificou como processos “contínuos e diários de enfrentamento à intervenção”. O presidente da ADUFC disse considerar importante, e que deve seguir sendo cobrada nos próximos anos, a escuta aos sindicatos na esfera nacional, num processo de construção coletiva: “Esse momento é importante para darmos a reviravolta que a UFC está precisando, voltarmos ao campo democrático que a UFC tinha perdido”.
Bruno Rocha lembrou que o próprio Prof. Custódio Almeida, um dos membros da organização da conferência e presente à mesa, “foi uma das vítimas desse processo de intervenção”, quando foi eleito e não nomeado reitor. Em agosto de 2019, Cândido Albuquerque, atual interventor, foi nomeado à revelia do resultado da consulta à comunidade universitária. Jair Bolsonaro, notório inimigo da universidade pública e da ciência, nomeou o gestor, mesmo ele tendo obtido apenas 4,6% dos votos na consulta à comunidade universitária. O reitor eleito, Custódio Almeida, obteve 56,4% dos votos e a inequívoca indicação dos três segmentos (professores, técnico-administrativos e estudantes), mas foi preterido sem qualquer justificativa.
Custódio Almeida e Diana Azevedo oficializaram a candidatura para reitor e vice-reitora da UFC em 2023
Custódio Almeida é novamente candidato a reitor da UFC
A conferência sobre o futuro das universidades e o papel da ANDIFES foi marcada também pelo anúncio da candidatura do Prof. Custódio Almeida novamente a reitor da UFC. A gestão do interventor deve terminar em agosto de 2023. Professor titular do curso de Filosofia, ele aproveitou sua fala para fazer o registro, recebendo o apoio dos presentes no auditório. A candidata a vice-reitora, também chamada à mesa na ocasião, será a Prof. Diana Azevedo, do Departamento de Engenharia Química e também atual vice-diretora do Centro de Tecnologia. Durante o debate, Custódio e Diana defenderam um projeto de universidade baseado no “encantamento” e na “inclusão” para popularizar a ciência e a educação superior.
“As universidades públicas precisam desse reencantamento, necessitam de participação coletiva, de democracia nos seus colegiados, sem medo de assédios, de represálias”, afirmou Custódio Almeida, lembrando que, atualmente na UFC, “até a cessão de um espaço físico da universidade por um diretor não é algo simples” – em referência às inúmeras tentativas inviabilizadas pela atual gestão. A própria ADUFC já denunciou vários casos de censura dentro dos espaços da universidade sob intervenção.
“É absurdo, em se tratando de uma instituição que é a casa da liberdade, antes de qualquer coisa. Da liberdade de ideias, onde conflito não é coisa para a gente ter medo. Infelizmente, na nossa universidade também precisamos trabalhar isso, que passa, fundamentalmente, por reencantamento”, disse Custódio. Convidada à mesa, a Profª Diana Azevedo agradeceu o acolhimento e reiterou a fala de Custódio: “Queria destacar uma palavra que ele usa muito e que, na minha vida, sempre esteve muito presente, que é a história do ‘encantar-se’. Encantamento também é inclusão. E vamos reforçar isso”, avisou a professora, cuja docência na UFC completa 30 anos em 2023.
(*) A conferência pode ser assistida no canal da ADUFC no YouTube, também traduzida para libras