A comunidade universitária e movimentos sociais cearenses reivindicam que a administração superior da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) dê andamento aos processos que reconhecem o Notório Saber de mestras e mestres populares. De acordo com professores e servidores técnicos da instituição, a reitoria está atropelando a Resolução 53, aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) no ano passado e em vigor desde março de 2021. A normativa criou a certificação de Notório Saber em Artes, Ofícios e Cosmologias Tradicionais e regulamentou a expedição do certificado no âmbito da UNILAB.
Apesar de oficializada há mais de 18 meses, a resolução ainda não foi implementada na instituição. Nos dias 9 e 10 de novembro último, a vice-reitora Cláudia Ramos Carioca, que estava como reitora em exercício, assinou pareceres contrários às indicações de Notório Saber encaminhadas pelas comissões de análise de mérito reconhecendo quatro mestres populares. São eles: Pajé Barbosa (CE), Carla Mara (mestra de capoeira/CE), pai Neto (Umbanda/CE) e mestra Biu (artesã da Bahia). Mesmo com todos os critérios cumpridos, conforme a Resolução 53/2021, os processos não foram concluídos pelo Consepe, que é presidido pelo reitor da UNILAB e responsável pelo julgamento.
Os processos foram encaminhados no dia 28/8 à Pró-Reitoria de Extensão, Arte e Cultura (PROEX), que faz a mediação com o Consepe e a reitoria, onde as proposições ficaram retidos por meses, sem resposta. Os argumentos utilizados pela vice-reitora, como “vícios de origem”, indicaram indeferimento, suspensão dos pareceres e revisão da resolução. Ela ainda alegou o fato de os processos serem apresentados por servidores que se encontravam lotados na PROEX, justificativa sem consistência, uma vez que a resolução não veta que a pró-reitoria, sua coordenadoria ou mesmo servidores alocados nela apresentem candidaturas. Isso porque elas serão julgadas por uma comissão interinstitucional autônoma, independente e técnica.
Outro despacho de 9/11 desmonta os argumentos da reitoria, ao citar o Art. 69 do Regimento Geral da Unilab, o qual estabelece que homenagens devem ser feitas a “personalidades que tenham prestado contribuição relevante à educação, à ciência e à cultura, em geral, e à Unilab, em particular”. Além de desqualificar a contribuição dos quatro mestres populares, o trecho revela o equívoco da reitoria, já que o Artigo 69 diz respeito aos títulos Honoris Causa e não ao Notório Saber. Os processos seguiram o trâmite exigido, que é a formação de comissão de análise de mérito composta por três professores da UNILAB, um representante do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e um/a mestre/a titulado/a pela Lei dos Tesouros Vivos da Secult do Ceará.
Diversos coletivos já se manifestaram cobrando da UNILAB o cumprimento da Resolução 53. Entre eles, a Rede DLIS do Grande Bom Jardim, que reúne um grupo de entidades. “Desconsiderando esse processo de abertura da universidade aos saberes populares, (…) a gestão da Unilab levanta barreiras contra o reconhecimento aos saberes tradicionais de lideranças capoeiristas, indígenas e povos de terreiro”, diz a nota assinada pela Rede DLIS. “Valorizar os saberes e fazeres dos mestres do notório saber significa valorizar a memória e a história de gerações de antepassados e ancestrais na construção do Brasil contemporâneo”, acrescenta.
Docentes e técnicos temem perseguição
Professores/as e servidores/as técnico-administrativos da UNILAB que reivindicam o andamento dos processos de Notório Saber relatam o receio de serem perseguidos pela administração superior da universidade. Eles apontam a indisposição de integrantes da reitoria com o tema e citam que estão sendo intimidados. Na avaliação dos docentes, para engavetar os processos de Notório Saber, a vice-reitora utilizou-se de modus operandi autoritário e inadequado. “Não há justificativa que sustente o parecer jurídico para tentar deslegitimar a própria resolução”, diz um professor.
A minuta da Resolução 53/2021 foi construída por grupo de trabalho próprio em diálogo com as comunidades tradicionais da UNILAB, do Iphan e do poder público, como as secretarias da Cultura do Ceará e da Bahia. Em fevereiro de 2021, foi aprovada por unanimidade pelo Consepe e entrou em vigor no mês seguinte. A normativa estabelece que qualquer servidor da UNILAB pode submeter à PROEX, junto à Coordenação de Arte e Cultura, dossiês e portfólios de mestres/as populares para serem apreciados por comissão de avaliação própria. A assessoria jurídica da ADUFC está acompanhando o caso e prestando todo o suporte aos docentes filiados. O sindicato reitera o seu compromisso com a democratização e popularização da ciência e do saber acadêmico.