A chegada de 2023 é aguardada com expectativa por diferentes setores sociais que viram os investimentos públicos despencarem, ao longo dos últimos anos, nas áreas essenciais, como saúde, educação e assistência social. A ADUFC conversou com professores/as filiados/as sobre o que as universidades públicas federais esperam e demandam do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Retomada e expansão do financiamento para o ensino superior público, resgate da democracia e da autonomia universitárias, ampliação da assistência estudantil, revisão da Lei de Cotas e reversão de reformas educacionais estão entre as principais demandas citadas pelos docentes.
Para o presidente da ADUFC-Sindicato, Prof. Bruno Rocha, a primeira medida é retirar a saúde e a educação do teto de gastos, um instrumento aprovado ainda do governo Temer que impacta diretamente as áreas sociais. O encolhimento de recursos aplicados no ensino superior público, nos últimos anos, prejudicou o ensino, a pesquisa, a extensão e o funcionamento dos laboratórios nas universidades. Cortes e bloqueios orçamentários recentes ameaçaram, inclusive, fechar as portas das universidades federais, que ficaram sem verba para o pagamento de contas básicas, como água, luz e internet.
O valor investido pelo governo brasileiro em ciência em 2020 – R$ 17,2 bilhões – é inferior aos R$ 19 bilhões aplicados no setor em 2009, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em valores corrigidos pela inflação do período. Outro estudo de pesquisadores do Centro de Estudos SoU_Ciência, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que quase R$ 45 bilhões (com a correção inflacionária) que deveriam ser destinados para a ciência de 2010 a 2021 foram perdidos no Orçamento federal, sendo metade nos três primeiros anos do governo Bolsonaro.
Bruno Rocha lembra que, antes mesmo do início da próxima gestão federal, já nos núcleos de transição do governo Lula, está em disputa o projeto de educação a ser priorizado para o país. “Lutaremos por uma educação emancipadora, mantendo a gratuidade, a qualidade e o ensino presencial, com o acesso garantido através da Lei de Cotas, o repasse de recursos do Fundeb e a reversão da reforma do ensino médio”, defende. Ele acrescenta a importância da revisão da Lei de Cotas, que completou 10 anos em 2022 e deveria ter retornado ao Congresso Nacional para ser aprimorada.
É preciso estar atento, por exemplo, à opção que será adotada por Lula na expansão do ensino superior. “Ele falou muito na campanha sobre reativar o ProUni e ampliar as vagas nas universidade particulares, mas isso não pode vir sem a contrapartida de verbas para a universidade pública”, destaca o presidente da ADUFC. A opinião é partilhada pela diretora da Faculdade de Educação (FACED/UFC), Profª. Heulalia Rafante. “A gente sabe a dificuldade devido à mercantilização da educação – e já vivenciamos isso nos governos anteriores do PT. Mas continuaremos nessa luta para que o dinheiro público seja para as universidades públicas e que se reforcem as ações afirmativas”, justifica.
Na avaliação de Heulalia Rafante, é fundamental que o orçamento das universidades públicas seja fortalecido para assegurar condições de trabalho decente a servidores técnicos e professores, inclusive com reajustes salariais; garantir o ensino, a pesquisa e a extensão; aumentar o valor e a quantidade das bolsas oferecidas; e retomar a expansão do ensino superior público. Ela ainda aponta a assistência estudantil como outro gargalo que precisa ser priorizado, incluindo a melhoria dos restaurantes universitários (RUs). O investimento em assistência impacta diretamente a manutenção dos estudantes das classes populares na universidade, que muitas vezes abandonam o curso superior para trabalhar.
Democracia e autonomia na universidade
Para os professores entrevistados pela ADUFC, a retomada do respeito à autonomia universitária é uma pauta de primeira necessidade que o governo Lula precisa abraçar. A UFC está entre as mais de 20 universidades onde houve intervenção do governo federal na nomeação de reitores ilegítimos. “É necessário que haja a recuperação de um relacionamento institucional pautado no respeito ao regime jurídico das universidades por parte do novo presidente da República”, ressalta a Profª. Cynara Mariano, da Faculdade de Direito da UFC.
A intervenção federal nas universidades públicas, relata Cynara Mariano, trouxe uma série de prejuízos para essas instituições, como o controle do pensamento e o cerceamento da liberdade de cátedra e da realização de eventos. “Os ambientes universitários precisam voltar a respirar a liberdade, que é fundamental para o ensino, o conhecimento e o desenvolvimento econômico”, pontua Cynara. Essa também é a expectativa do Prof. Bruno Rocha, presidente da ADUFC. “A gente espera uma postura imediata contrária a esse movimento de intervenções nas universidades. E que imediatamente se reverta a nomeação desses interventores nos casos em que eles não figuram na lista tríplice ou onde os conselhos superiores das universidades já aprovaram essa destituição”, cobra.
Nesse sentido, os docentes explicam ser urgente a revisão da legislação que trata da escolha de reitores, equiparando esse processo ao modelo adotado nos institutos federais, onde há uma eleição junto à comunidade universitária e o nome mais votado é enviado, via Conselho Universitário (Consuni), para a nomeação do presidente da República. “O que vimos é que a discricionariedade da lista tríplice pode ser usada para um controle das universidades. Em mais de 20 universidades federais, houve a quebra do primeiro lugar da lista tríplice com o objetivo claro de alinhamento do novo reitor ao governo federal”, diz. O processo para a escolha de reitores nas universidades federais já é debatido em projetos no Congresso Nacional e em ações no Supremo Tribunal Federal (STF).
A implementação dessas demandas, mesmo em um governo progressista que se anuncia, só sairão do papel com uma mobilização permanente. E um dos desafios é desarticular a apatia e a articulação bolsonarista gestadas nos últimos quatro anos dentro das universidades. “Observei que nacionalmente tivemos muita adesão a essa ideologia fascista e conservadora, e a UFC reproduz isso. Fica evidente, pois a reitoria conseguiu implementar sua lógica, uma gestão autoritária com poucas reuniões. Nenhum reitor ou seus pró-reitores se manteriam nessa situação sem a opressão e o silenciamento da comunidade universitária, mas também muita aderência”, avalia a Profª. Heulalia Rafante. O caminho indicado pela docente, e chancelado pela ADUFC, para romper com a desmobilização aponta para o fortalecimento e a unidade do movimento sindical docente.