por Prof. Dilmar Miranda
O texto é datado: virada deste século e período de campanha eleitoral. Seu teor e valor continuam perenes. Minha homenagem à guerreira Rosa da Fonseca.
No antigo teatro romano, a máscara utilizada pelos atores para representar era chamada de persona (de per sonare, i.é, por onde soa a voz). Cada máscara expressava um sentimento. Assim, havia máscara de ira, alegria, espanto, desejo, horror, ódio etc., conforme a exigência da cena. Deriva daí a palavra personalidade.
Celebrar datas dedicadas a uma personalidade histórica significa celebrar sua existência enquanto testemunho vivo por onde soaram não apenas seus atos e gestos, afetos e desejos, mas igualmente os da gente de seu tempo .
Estamos num momento importante de celebração de uma grande personalidade. Em 1997, celebramos 150 anos de nascimento de Chiquinha Gonzaga. No próximo ano (1999), será celebrado o centenário de O Abre Alas, primeira música composta especialmente para o carnaval, de autoria de Chiquinha.
Ela é uma personalidade especial de nossa história, não só de nossa vida musical, mas também e sobretudo pelo pioneirismo expresso no seu engajamento nas lutas das mulheres brasileiras e nas lutas políticas da época. Prometida em casamento aos treze anos, a um homem que nem conhecia, separou-se antes de completar vinte, já com três filhos. O marido não aceitava sua dedicação à música popular. Rejeitada pela própria família, passou a viver exclusivamente de música, dando aulas de piano, compondo e tocando em bailes e, mais tarde, em salas de cinema.
Primeira maestrina, rege uma banda militar junto com uma orquestra. Enquanto a elite carioca considerava o violão como símbolo de malandragem, reúne cerca de 100 violões num concerto interpretado pelos melhores e anônimos instrumentistas do Rio de Janeiro. Participa da campanha abolicionista. Vende partituras de suas composições para financiar cartas de alforria de escravizados. Participa da luta pela República. Luta pela organização da categoria dos artistas, através da criação da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), em 1917.
Chiquinha Gonzaga foi a persona por onde soou a voz e os desejos da mulher brasileira na virada do século XX.
No Ceará, temos várias mulheres da linhagem de Chiquinha. Dentre estas, destacam-se duas personalidades aguerridas da luta política da virada do século XXI. Rosa da Fonseca e Maria Luiza Fontenele estão presentes no cenário político cearense e brasileiro, desde as memoráveis campanhas pela Anistia e contra a ditadura militar dos anos 70, na luta por melhores condições de vida, nos movimentos de organização das classes trabalhadoras da cidade e do campo, na fundação da CUT, na organização das mulheres, na defesa de uma educação crítica, pública, gratuita e de qualidade, na defesa intransigente das legítimas manifestações das pulsões criadoras de artistas populares e intelectuais, expressão da riqueza cultural de nosso povo.
É nesse tempo e lugar de crise em que cresce a determinação de combate de mulheres como Chiquinha, Rosa e Maria. Mulheres que fazem de sua vida, o cenário de ações e lutas por uma sociedade onde as coisas não sejam apenas “promessas de felicidade”, a exemplo da arte desejada por intelectuais do passado, mas onde a felicidade, a liberdade e o prazer sejam efetivamente reais.
Eis a importância de contarmos com Rosa e Maria no parlamento, não como espaço privilegiado do fazer político, porém como mais um lugar onde a voz ambas somada a milhares de vozes possam soar, a assim adensar a força do povo que deseja transpor os limites do tempo presente negador da felicidade, da liberdade e do prazer, força capas de instaurar uma sociedade outra, um tempo outro, realizadores efetivos da condição da vida humana.