O início do quarto ano do governo de Jair Bolsonaro anuncia a continuidade e o aprofundamento de problemas sociais agravados nos últimos anos. A inflação em disparada reflete uma crise econômica que assola o país e que ataca, de forma mais brutal, as classes populares. Há muito, o povo brasileiro já não alcança mais os preços – dos alimentos, da gasolina, do gás, da conta de luz, do transporte público –, e a miséria voltou para a pauta nacional. A ADUFC-Sindicato ouviu professores e ativistas para debater quem paga o preço da crise. E adianta: não é justo que seja o povo, especialmente pobres, mulheres e negros.
Para entender o cenário atual, é preciso recuar. A crise capitalista mais recente iniciou ainda em 2008 e, mesmo nesse período, o Brasil conseguiu obter bons resultados econômicos até 2014, seguindo o exemplo de outros países. De lá para cá, entretanto, os resultados tornaram-se pífios, demonstrando a incapacidade da gestão econômica em sair da crise. É o que explica o Prof. Alfredo Pessoa, do Departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“A insistência no receituário neoliberal agravou o quadro que já era bastante difícil, assim, as reformas da previdência e trabalhista, que eram demandas do capital, não só não trouxeram os resultados apregoados pelos neoliberais como reafirmaram a retirada de direitos com maior precarização do trabalho e desproteção social”, ressalta o docente.
Na avaliação do Prof. Fernando Pires, coordenador do Observatório de Políticas Públicas (OPP/UFC), uma forma de aprender com os erros do passado é compreender que, em diferentes fases de expansão da economia nacional, houve a manutenção da concentração da renda e da riqueza em vez da plena promoção da inclusão social e redução das desigualdades. “A riqueza continua sendo apropriada pelos mais abastados em detrimento dos trabalhadores e dos excluídos, que são implacavelmente afetados”, ressalta.
O esvaziamento dos direitos trabalhistas e das políticas sociais ganhou força com a chegada de Michel Temer ao poder, após o impeachment orquestrado contra a presidenta Dilma Rousseff. “Consumado o golpe, os conturbados dois anos seguintes do governo Temer foram dedicados a implementar o referido receituário de maldades, visto como eficaz no combate à crise econômica, conforme os dogmas liberais e a ânsia do mercado”, aponta Fernando Pires. Portanto, o terreno já estava firmado quando Jair Bolsonaro assumiu. “Inicia-se, assim, um dos períodos mais degradantes para a população brasileira, em particular para os trabalhadores e segmentos mais vulneráveis”, acrescenta.
As consequências de um governo federal sem compromisso com os direitos sociais e a vida dos brasileiros não tardariam a explodir: o retorno da extrema pobreza, o avanço da carestia, o aumento do desemprego. “A carestia advém da incapacidade do governo de controlar preços dos alimentos, da insistência em privatizar a Petrobras, do equívoco de praticar preços de mercado e da nefasta política de condução do câmbio”, diz o Prof. Alfredo Pessoa. Mesmo nesse cenário, lembra o docente, o governo federal foi incapaz de manter o auxílio emergencial de R$ 600 para as pessoas mais vulneráveis.
Para Alfredo Pessoa, a política do corte irrestrito (de gastos, de direitos) é o argumento que alimenta ataques a servidores públicos, quando o governo tenta precarizar as condições de trabalho, a exemplo do que ocorre na PEC 32. Para o docente, é necessário manter distância das ações neoliberais e promover uma reforma tributária justa que taxe mais o capital, a propriedade, as grandes rendas e as aplicações financeiras, além de aliviar folha de pagamento – para promover emprego – e consumo, que atinge ricos e pobres.
A secretária-geral da ADUFC-Sindicato, Profª. Helena Martins, diz não ser aceitável que os efeitos dessa política econômica desastrosa recaiam sobre as classes mais vulneráveis. “A crise não pode cair nos ombros da classe trabalhadora, que já está sofrendo muitíssimo. Exemplo dramático disso é o fato de que a fome tenha voltado a ser uma realidade para milhares de pessoas. Há falta de políticas públicas que assegurem renda digna, que garanta educação e saúde, para citar duas áreas muito afetadas pela pandemia”, reforça.
Como exemplo de ações afirmativas para minorar esses efeitos, a secretária-geral da ADUFC cita o exemplo dos Estados Unidos. “Vários países estão fazendo, como nos Estados Unidos, onde foi aprovado um amplo pacote econômico que objetiva aplacar os impactos da crise. O que acontece no Brasil é um total abandono da população pelo governo federal, que está mais interessado em usar o dinheiro público para garantir apoio eleitoral”, reitera.
Política econômica enfrenta resistência social, mas vozes precisam ser ampliadas
Em Fortaleza, uma das lutas populares atuais é contra o aumento da passagem de ônibus, que sofreu alta de 8,3% neste mês de janeiro, reajustada a R$ 3,90 já a partir deste sábado (15/1). “É um ataque tanto aos estudantes universitários quanto a todos os trabalhadores. Mais uma vez, a classe trabalhadora paga pela crise, enquanto a burguesia garante o lucro”, critica Danilo Freire, estudante de Ciência da Computação na UFC e militante do Movimento por Uma Universidade Popular (MUP).
O estudante aponta que a alta da gasolina causada pela política de preços do governo federal causou aumento da tarifa pública em mais de 30 cidades. “Fortaleza, porém, se destaca nesse quesito entre as metrópoles nordestinas; a maioria não anunciou aumento até o momento”, ressalta o integrante do MUP. O movimento está dialogando com outras forças sociais e convocou uma assembleia estudantil para o próximo domingo (16/1), além de promover um trabalho de sensibilização sobre essa e outras pautas junto à sociedade.
O Prof. Alfredo Pessoa diz que as saídas para a crise instalada não dependem, exclusivamente, de ações governamentais e políticas, mas também da ampliação da participação popular, de mais democracia, de conscientização ambiental e de uma transformação cultural. Ele ainda sugere a auditoria da dívida pública, que só foi realizada uma vez na história brasileira, ainda em 1937, no governo de Getúlio Vargas.
Sem a interrupção desse cenário, o futuro torna-se imponderável. “A longo prazo, não restará nada. Nem política social, nem projeto nacional, nem cidadania, nem democracia”, avalia Alfredo Pessoa. Para o ano de 2022, a ADUFC avança com sua pauta de lutas em defesa da educação pública e de qualidade, do serviço público, da democracia, da ciência e da garantia de direitos sociais especialmente àquelas pessoas para as quais o Estado tem faltado diariamente. Fica o convite a professores e professoras que constroem esse sindicato a se somarem a essa luta, que é cotidiana, por um Brasil mais justo para todas e todos.