Passados quase 22 meses da pandemia de Covid-19 no Brasil, a articulação cearense intitulada “Cada Órfão Importa”, iniciada no ano passado, segue em movimento de sensibilização da sociedade e das autoridades. O objetivo é garantir direitos básicos a crianças e adolescentes que perderam o pai, a mãe ou ambos em decorrência da infecção pelo novo coronavírus. Dados divulgados pelo Consórcio Nordeste em outubro de 2021 já apontavam cerca de 26,5 mil crianças e adolescentes órfãos na Região, sendo 5.610 só no Ceará. Atualmente, a estimativa é que 6 mil deles/as já estejam na orfandade no estado. A ADUFC-Sindicato é solidária a essa luta e convida todos e todas a se unirem na causa.
Desde março de 2020, início da pandemia no país, os órfãos da Covid-19 não têm sido prioridade nas políticas públicas, mesmo que a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegurem o contrário. É o que enfatiza a Profª. Ângela Pinheiro, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela integra o Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (NUCEPEC), que surgiu há 37 anos como programa de extensão do Departamento de Psicologia da UFC. O núcleo articulou-se com outras instituições numa conjunção de esforços para chamar a atenção sobre o problema e sensibilizar o poder público a tomar iniciativas, e de forma célere.
A docente chama a atenção para a falta de prazos para se iniciarem ações concretas de auxílio financeiro e de segurança alimentar, de regulamentação da representatividade legal dos mais de 200 mil órfãos espalhados pelo país. “Não sabemos, sequer, quantos são exatamente, quem são, onde estão e em que condições estão vivendo. Ou sobrevivendo!”, alerta Ângela Pinheiro. Também estão envolvidas na articulação as professoras Vanda Leitão (Departamento de Letras Libras e Estudos Surdos) e Inês Mamede (Departamento de Teoria e Prática do Ensino/FACED), além de Cristina Façanha e Geórgia Toledo (Departamento de Estudos Especializados/FACED), todas da UFC.
Ângela Pinheiro, que também integra o Movimento Cada Vida Importa e o Fórum DCA Ceará, classifica como “indispensável” o atendimento psicossocial para que essas crianças e adolescentes possam ter atenuadas as “trágicas consequências da ruptura dos vínculos mais primários da vida”. A articulação Cada Órfão Importa (Ceará) vem cobrando soluções/ações do poder público em suas três esferas (Executivo, Legislativo e Judiciário), através de suas instituições, gestores, legisladores e operadores de Justiça. “O drama da orfandade no contexto da pandemia, e por causa dela, é extremamente significativo e não podemos fechar os olhos para isso”, observa Ângela.
Tema foi debatido em Audiência Pública em 2021
Tanto a situação de crianças e adolescentes que ficaram órfãos em decorrência da Covid-19 no Ceará, como possíveis políticas de assistência social e financeira foram debatidas em audiência pública realizada em outubro do ano passado. A atividade, realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da Assembleia Legislativa, encaminhou a necessidade de ações urgentes como a busca ativa para localizar e identificar crianças e adolescentes que perderam pai e/ou mãe e/ou responsáveis. As discussões podem ser revistas em transmissão do canal da TV Assembleia no YouTube.
Dentre outros encaminhamentos tirados na audiência, estiveram: criação de um programa de transferência de renda dentro da estrutura do Sistema Único de Assistência Social (Suas), formação de um plano estratégico e operacional que envolva as seguranças alimentar e psicossocial, além do direito ao convívio familiar; e previsão orçamentária de médio e longo prazo para implementação dessas políticas. Além disso, ficou definido que as entidades e órgãos públicos participantes da audiência formariam uma comissão para elaborar e acompanhar o andamento do plano.
Entre os/as participantes da Audiência Pública realizada no ano passado, também estiveram representantes da Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico) Brasil; do Ministério Público do Ceará; da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza; da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) de Fortaleza; do Comitê Estadual de Políticas Públicas da População em Situação de Rua do Ceará; do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA), do Coletivo Rebento; dos conselhos regionais de Enfermagem e Fisioterapia; e da Rede Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim (GBJ)/Comitê Popular de Enfrentamento à Covid-19 no GBJ.
Orfandade por Covid-19: perspectivas de incidência
Desde julho do ano passado, a articulação Cada Vida Importa (Ceará) tem feito leituras e aprofundado reflexões, a partir do Eixo de Formação Interna do NUCEPEC (Políticas Públicas e Controle Social) sobre a temática. As atividades também estão distribuídas em outros eixos que envolvem sensibilização e visibilidade, além da busca ativa pelo apoio de esferas institucionais a todas as dimensões da orfandade. “Temos tentado explicar o que está acontecendo, essas dimensões. Estamos atrás de mais adesões, mesmo que também de pessoas físicas. Todo o apoio é bem-vindo”, reforça a Profª. Ângela Pinheiro.
Em outubro de 2021, a articulação conseguiu enviar o documento “Órfãos da Covid-19: Plano Estratégico-Operacional para seu Cuidado e Proteção Imediatos” como contribuição para o Relatório da CPI da Pandemia, no Senado Federal. No Âmbito do sistema de Justiça, segundo a articulação, a 78ª Promotoria Infância e Juventude vem solicitando, desde cinco meses atrás, o levantamento de órfãos e ações por parte do Poder Executivo, estabelecendo prazo inicial de 20 dias.
“Até o fim de 2021, no entanto, não havia resposta consistente” das esferas estadual e municipal dos governos, alerta um documento que começou a ser produzido pela articulação em janeiro de 2022. O balanço das ações e encaminhamentos tirados da última audiência pública dão conta de pouca ou nenhuma consistência” sobre o que havia sido anunciado, inclusive, sobre a apresentação de dados sobre o levantamento acerca dos órfãos e implementação dessas ações.
(*) Para informações sobre a articulação Cada Órfão Importa (Ceará) e possíveis formas de contribuição ao movimento: NUCEPEC no Instagram.