“Política de recursos humanos para o SUS e a pandemia” foi o tema da live promovida, na última terça-feira (24/8), pelo Grupo de Trabalho (GT) Saúde da ADUFC-Sindicato em parceria com o Coletivo Rebento. Na ocasião, foram debatidos temas como precarização dos vínculos empregatícios no Sistema Único de Saúde, a ausência de uma política consolidada de gestão de pessoal na saúde e propostas para a criação de uma política de recursos humanos que contemplem os profissionais que atuam no SUS e os usuários do sistema.
O debate foi mediado pelo Prof. Roberto da Justa, do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC, diretor da ADUFC-Sindicato e integrante do Coletivo Rebento. “Desde a sua criação, em 1988, o SUS vive um subfinanciamento crônico, o Brasil investe apenas 3,5% do PIB, enquanto outros países mais desenvolvidos chegam a investir 10%. E, naturalmente, esse subfinanciamento, essas políticas de sucateamento repercutem no SUS”, aponta o docente, que coordena o GT Saúde da ADUFC. Ele acrescenta que a maioria dos 3,5 milhões de trabalhadores do SUS é mal remunerada, sem estabilidade e possui mais de um emprego para sobreviver.
Na avaliação do Prof. Sérgio Luz, da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da UFC e integrante do GT Saúde da ADUFC, com a pandemia de Covid-19 e a centralidade do SUS no enfrentamento do vírus, houve um aumento da legitimidade do Sistema Único de Saúde por parte da população, essencialmente ocasionado pelo desempenho dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde. “Depois de três décadas de os trabalhadores serem desvalorizados, tratados como insumos ou mais um problema para a gestão, agora são os responsáveis pelo aumento da legitimidade do sistema”, disse, lembrando que as tentativas de privatizar o SUS não se iniciaram no governo Bolsonaro, mas décadas anteriores.
Superintendente da Escola de Saúde Pública do Ceará e professor da Faculdade de Medicina da UFC, Marcelo Alcântara apontou o que chama de “paradoxo da contemporaneidade”. “Temos novas tecnologias, podemos hoje aplicar novos métodos de formação em saúde em todas as áreas, temos simuladores de alta fidelidade que permitem treinamentos sofisticados e complexos para os nossos alunos. Há a cirurgia robótica, é permitido treinar por simulação. E há uma abundância de escolas médicas no país como nunca se viu”, cita.
Por sua vez, pondera o docente, esses avanços não se refletem na melhoria das condições de trabalho dos profissionais de saúde do sistema público, tampouco na satisfação dos usuários do SUS. “O que a gente tem é uma insatisfação social com o atendimento do SUS e com o sistema de saúde suplementar também, a falta de integralidade, uma desumanização, a uberização da medicina. E, do outro lado, uma insatisfação dos profissionais da saúde também, apesar de todos esses avanços da contemporaneidade”, pontua.
Capacidade de negociação e proposições concretas são essenciais na defesa do SUS
Para o Prof. Gastão Wagner, médico sanitarista e titular do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, é preciso haver capacidade de negociação e proposições concretas para a melhoria da qualidade do serviço prestado pelo SUS e das condições trabalhistas dos profissionais da saúde. “A gente tem que dizer o que quer. A gente tem uma campanha hoje contra a privatização do SUS. Coloca o que no local? Uma administração direta, clientelista?”, questiona o docente.
Gastão Wagner aponta o excesso de cargos de confiança no SUS, vagas que são de livre provimento de prefeitos, governadores e presidente da República. Isso torna o sistema refém de instabilidades políticas como a que vivemos atualmente, acredita o médico sanitarista. “Bolsonaro desmontou o Ministério da Saúde em um mês e não teve que mudar nenhuma lei ou norma do SUS”, salienta. “A política de pessoal não entrou na agenda de fato. O SUS não tem uma política de pessoal razoável”, complementa.
O professor da Unicamp defende uma política em gestão de pessoal que seja nacional e integrada, envolvendo os governos federal, estaduais e municipais. “Bolsonaro vai passar e temos que ter propostas para nossos deputados estaduais, federais, senadores para que assumam uma defesa do SUS e uma política de pessoal decente”, destaca. Segundo Gastão, também não é necessário ter uma política no SUS para cada carreira, citando exemplos de sistemas nacionais de saúde de outros países, como Portugal e Cuba. “As carreiras são interprofissionais, os direitos entram matricialmente. As carreiras não são para o sistema inteiro, são temáticas”, reforça. Trouxe ainda a provocação quanto à possibilidade de uma modalidade específica de vínculo para trabalhadores do SUS: nem CLT, nem estatutário.
Outro ponto defendido pelo Prof. Gastão Wagner é a valorização da atenção primária a partir do financiamento integrado. “O orçamento da atenção primária não pode ser só municipal, por exemplo. Proponho que lutemos pela criação de autarquias especiais tripartite, com um conselho diretor formado por Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais”, sugere, garantindo também a descentralização dos concursos por estado. Concluiu com uma mensagem de esperança. “Temos um SUS muito bem construído pelo Movimento de Reforma Sanitária e é possível avançar em sua implementação plena”.