O ano inicia com complexos desafios a serem enfrentados em consequência da pandemia de Covid-19, que perdura sem previsão de término e massacra estados e municípios. É nesse cenário que deve começar a tramitar ainda em 2021 a PEC da Reforma Administrativa, que desidrata e ataca o funcionalismo público. O momento é de defender o serviço público em um contexto em que ele se mostra mais essencial do que nunca, seja no enfrentamento à pandemia por meio do incansável trabalho dos servidores do Sistema Único de Saúde (SUS) ou no avanço da pesquisa – que tem seu nascedouro nos bancos das universidades e institutos públicos – tão relevante nesse momento em que precisamos encontrar saídas.
Sob a justificativa de reduzir custos no serviço público, a PEC 32/2020 ataca diversos direitos conquistados por servidores/as públicos/as, como a estabilidade no trabalho e ingresso por concurso público. Os retrocessos de direitos previstos no texto da reforma recaem sobre os futuros/as servidores/as e comprometem as novas gerações. Mas vale ressaltar que a precarização do serviço público fragiliza o ambiente de trabalho como um todo.
Durante a pandemia, não fosse a capilaridade do SUS, com o empenho dos servidores públicos na linha de frente do enfrentamento à Covid-19, as consequências já trágicas da pandemia poderiam ter potencial ainda mais destruidor. É o que aponta o Prof. Edson Teixeira, coordenador do Laboratório Integrado de Biomoléculas (LIBS) da UFC, que assumiu um papel atuante na divulgação da ciência e desmistificação de notícias falsas sobre a pandemia, como os mitos a respeito das vacinas contra a Covid-19.
“Observamos um aumento no número de informações equivocadas, muitas vezes por falta de conhecimento e outras manipulando as informações para difundir fake news, sobretudo nas redes sociais. Observamos isso desde o início da pandemia e iniciamos uma série de mais de 40 lives com especialistas de várias áreas do conhecimento, publicamos isso no Instagram e no Youtube do LIBS”, explica o docente do Departamento de Patologia e Medicina Legal da UFC. “E começamos a difundir boas notícias e informações científicas sobre o desenvolvimento e a importância das vacinas”, complementa.
O professor aponta, ainda, que a Covid-19 trouxe desafios para as universidades, e estas desempenharam papel central não apenas no apoio à pesquisa como no suporte e atendimento à comunidade mais afetada pela pandemia. “As universidades foram extremamente demandadas por dados, fórmulas e softwares para a epidemiologia entender a transmissão do vírus, por testes para o diagnóstico e até mesmo para o desenvolvimento de equipamentos. A pandemia afetou idosos, diabéticos… E cada um desses nichos teve apoio da nossa universidade por meio de projetos de extensão que fizeram as adaptações necessárias no período de isolamento social”, salienta.
Edson Teixeira avalia como urgente a mobilização contra a aprovação da reforma administrativa, especialmente em um cenário no qual o SUS se mostrou protagonista. “A hora de contra-atacar esse projeto (PEC 32/2020) é agora, porque está muito evidente o papel das universidades, do serviço público, sobretudo agora do Sistema Único de Saúde (SUS). Ficou muito evidente que, se não houvesse SUS, o que estamos vivendo poderia ser uma tragédia ainda maior, pois já é uma tragédia diante da forma como o governo brasileiro enfrentou essa pandemia, que foi irresponsável e gerou atrasos, com disseminação de informações falsas”, critica o docente. “A tragédia que já ultrapassa 200 mil mortes seria pelo menos cinco vezes maior (sem o SUS)”, projeta.
Professora do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da UFC, Ligia Kerr relata que, no início da pandemia, estudantes de medicina dos últimos anos da graduação desempenharam função estratégica nas unidades de saúde. “Muitos estudantes dos anos finais continuaram fazendo extensão e ajudando a população, porque o treinamento SUS (pelo qual eles passaram na graduação) tem uma parte importante de recursos humanos”, destaca, lembrando que muitos professores da UFC atuam nas unidades municipais e estaduais de saúde e intensificaram esse trabalho durante a pandemia.
Diante de um contexto pandêmico que deve deixar duras consequências, as contribuições da universidade para a sociedade devem se prolongar pelos próximos anos. A Profª. Ligia Kerr diz que a UFC e a Fiocruz iniciarão ainda este ano um projeto para atuar em regiões de Fortaleza mais vulneráveis à Covid-19 e que apresentaram índices de mortalidade bem superiores à média geral do Ceará. Não por acaso, esses bairros concentram também outras vulnerabilidades sociais e estiveram no epicentro de epidemias anteriores, como dengue e chikungunya.
“Queremos criar uma vigilância popular, que é captar, documentar casos, impedir que eles ocorram, diagnosticar as famílias com maior vulnerabilidade. Não é deixar que o setor público deixe de atender as pessoas, mas que elas tenham o empoderamento de saber o que fazer, como sair dessa situação”, explica a docente.
Ligia Kerr, que também integra o subgrupo de epidemiologia do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, acredita que as pesquisas avançaram e apresentaram resultados em tempo recorde principalmente em razão da união de esforços e do intercâmbio de pesquisadores de diferentes lugares do mundo. Diversas universidades de todo o Brasil e de outros países compartilharam conhecimento e pesquisa, acelerando a velocidade com que as respostas estão chegando.
“A pesquisa é fundamental, 95% da pesquisa brasileira de qualidade é feita nas universidades públicas. E a situação agora está muito ruim com o governo bloqueando bolsas (de pós-graduação). São várias maneiras dos ataques sistemáticos à universidade e ao SUS. A PEC 95 foi um desastre. E, com a pesquisa na área da Covid, nós temos visto coisas fantásticas (nos resultados dos estudos)”, ressalta a docente, que, já no início da pandemia, uniu-se a pesquisadores de universidades do Ceará, da Bahia, de Pernambuco e do Maranhão em busca de respostas para a maior crise sanitária e social do último século.
“Muitas fake news têm questionado como pode uma vacina normalmente demorar anos para sair e essa saiu em oito, dez meses. Um dos motivos para que isso acontecesse foi a união de diferentes pesquisadores do mundo, compartilhando pesquisas, foi o financiamento, foram muitos investimentos, milhões de dólares. A Covid veio mostrar que o financiamento à pesquisa é importantíssimo. Grupos brasileiros se uniram a grupos estrangeiros, então rapidamente conseguiram essas respostas”, detalha Ligia Kerr.
Soluções para a má gestão de recursos não podem recair sobre servidores públicos
Na avaliação do presidente da ADUFC-Sindicato, Prof. Bruno Rocha, a população mais vulnerável socialmente e que depende do serviço público – principalmente saúde e educação – não pode ficar refém de uma política que reduz o salário dos servidores, retira direitos e precariza o trabalho, comprometendo a eficácia do serviço público. “Se a intenção do governo é tornar o serviço público mais eficiente, tem que valorizar o servidor público, garantir os direitos e condições de trabalho para que os servidores possam prestar o melhor serviço à sociedade brasileira”, opina.
O docente aponta, ainda, o texto da PEC 32/2020 como equivocado ao atribuir ao funcionalismo público o déficit financeiro do país em vez de valorizar a real função que esse segmento presta à sociedade. “Não há como aceitar que a falta de otimização do gasto público seja colocada sobre o servidor público, que é quem presta os serviços. Precisa ser feito o contrário. Para fortalecer o serviço público tem que se investir nos setores prioritários como saúde e educação, garantindo que haja mais acesso a esses serviços. E a fonte para esses recursos tem que vir de uma política racional de impostos que incida sobre os mais ricos e pela taxação das grandes fortunas”, analisa o docente.
(+) Em sua página no Instagram, o LIBS/UFC está tirando dúvidas sobre a Covid-19 e as vacinas. Nos destaques, há uma enquete fixa sobre o tema. Para acessar, clique AQUI. Também é possível enviar questões preenchendo um formulário disponível no link do perfil. As perguntas são respondidas diariamente pelos pesquisadores nos stories do Instagram.