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MEMÓRIAS DE QUARENTENA 72: O VÍRUS QUE NOS TIROU A PAZ E O RISO

Fátima Azevêdo (Médica Geneticista; Profa. da FAMED-UFC; Artista Plástica e Poeta)

Estar acordada de madrugada, para mim não é normal. Gosto quando durmo a noite toda. Porém, há dias que me acordo do nada ou sou acordada por algum barulho, algum sonho, pesadelo ou alguma preocupação que me martela o juízo. Descansar corpo, mente e espírito, são questões fundamentais para se viver com saúde. Ultimamente, não está fácil conseguir essa façanha.

Essa pandemia trouxe aflições de toda ordem e tamanho para todo tipo de ser humano. Do mais letrado ao que menos acesso teve ao estudo, do mais jovem ao mais velho, do que tem mais melanina na pele ao que tem menos, do mais saudável ao que tem algum tipo de doença, desde o comandante aos comandados. O vírus foi e continua sendo democrático. Democrático na forma de contágio, mas a forma de acesso ao tratamento não é igual pra todos. Pelo contrário: revela as imensas desigualdades com que nos deparamos neste País.

Digo que o vírus não tem preconceito, quando chega e dá rasteira tanto nos que se hospedam no hotel Hilton de Paris, quanto nos que se hospedam nas calçadas de Los Angeles ou São Paulo. Ele derruba e faz virar pó os que moram em casebres ou mansões. O vírus está aqui e ainda continua a maltratar a humanidade, mas pouca gente tem aprendido as lições que essa pandemia tem se esforçado a nos dar a todos. Eu não entendo a falta de escuta a esse vírus. Ele veio com várias capas, uma delas é a de professor, de educador, eu diria até de um professor com ares de crueldade e implacável. Que não perdoa distração ou pequenas falhas de seus alunos. Um professor à moda antiga. Eu diria, até, um professor de séculos passados. Mas como o mundo está de cabeça para baixo, quem escuta professor?! Ninguém ou quase ninguém. E essa é uma das razões pelas quais o tal vírus devastador continua sua maratona incansável.

Quase ninguém segue as normas de prevenção. Os administradores públicos são completamente hipócritas. Proíbem algumas coisas e fazem vista grossa para outras tantas. Haja vista as escolas paradas e os ônibus lotados. As reuniões presenciais suspensas e os comícios e passeatas eleitoreiras se repetindo aqui e ali, de norte a sul e de leste a oeste. Vacinas sendo testadas com uma velocidade nunca vista e resultados ainda inconclusivos. Os interesses mercantilistas, por trás dessas respeitadas e necessárias pesquisas, deixam o meu lado de médica em estado de alerta. Sempre atenta e cuidadosa para os resultados das próximas fases de testes, visto que os resultados publicados nos trabalhos, referem-se apenas à fase 1.

Para equilibrar tantas preocupações e constatações de coisas óbvias dessa pandemia, que precisavam de ações corajosas e planejamento efetivo em uma nação de dimensões continentais como o Brasil, uso a minha porção de artista e de poeta, para aliviar as tensões diárias e colorir meus dias. Continuo a produzir aquarelas, escrever crônicas e poesias, dar minhas aulas na UFC e administrar os imprevistos que fazem parte da vida de qualquer pessoa.

Essa pandemia me transformou em um ser mais resiliente, mais cuidadoso com meu entorno, mais atento à vida do que normalmente eu já era e mais grato do que sempre fui. Valorizo, cada vez mais, cada segundo de vida, cada movimento de inspiração e expiração. Cada grão de arroz e feijão que coloco em meu prato, com tempero ou sem tempero, é visto com as lentes de aumento da gratidão, ao mesmo tempo que o coração se aperta quando lembro dos irmãos que já tinham pouco e a pandemia devastou suas vidas, lhes tirando o pouco que tinham.

Peço, com todas as forças do meu coração, que o ser humano aprenda as lições que essa pandemia vem oferecendo e que a espécie humana volte a se comportar como seres humanos que somos, feitos à imagem e semelhança de nosso Criador. Não somos donos de nada. Estamos aqui de passagem. Precisamos urgentemente aprender a cuidar da nossa casa, a mãe terra, e cuidar uns dos outros. Precisamos retirar as vendas dos nossos olhos e colocar as máscaras nos nossos rostos.

Seção sindical dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará

Av. da Universidade, 2346 – Benfica – Fortaleza/CE
E-mail: secretaria@adufc.org.br | Telefone: (85) 3066-1818

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