As cenas do julgamento de André Aranha, divulgadas pelo site The Intercept, chocaram o país. Igualmente chocante foi a sentença exarada pelo juiz, a absolvição do réu por supostamente não ter tido intenção. Em um país em que as mulheres são odiadas, a julgar pela violência, a sobrecarga de trabalho e a desigualdade salarial que as atingem, os Grupos de Trabalho de Políticas de Classe e Étnico-Raciais e Políticas de Gênero e Diversidade Sexual da ADUFC vêm a público se solidarizar com Mariana Ferrer, a vítima, e repudiar o sórdido ato de misoginia que foi esse julgamento.
A trágica pandemia de Covid-19 tem nos mostrado a importância da solidariedade para as mudanças sociais de que precisamos. No caso em questão, falamos de uma jovem de 21 anos, idade média de nossas alunas, interpelada por homens em audiência judicial, na qual o empresário André de Camargo Aranha era acusado pelo Ministério Público de ter estuprado a jovem Mariana Ferrer em um bar de Florianópolis (SC) em 2018. O acusado seria absolvido das acusações em 1ª instância em sentença publicada em setembro. Os detalhes dessa absolvição, revelados agora, mostram-se chocantes e repulsivos.
A audiência registrada em vídeo, publicada na última quarta-feira (3/11) pelo The Intercept Brasil, revelou os traços cruéis do machismo estrutural em nossa sociedade. Durante a audiência, a vítima é ofendida, acuada, subalternizada ao ponto de ter sua dignidade roubada perante os “olhos vendados” da justiça. São mostradas fotos sensuais da vítima e classificadas como “ginecológicas” de forma extremamente pejorativa, maculando o espaço de decisão judicial com ofensas de baixo nível. Após a exposição das cenas da audiência, a Corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decidiu abrir uma apuração preliminar para investigar a conduta do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, na condução da audiência do caso Mariana Ferrer. Em 2020, o CNJ instituiu um grupo de trabalho de Gênero e Raça, fato novo e alvissareiro para este Brasil racista e misógino.
As cenas reveladas pelo The Intercept, pelo teor de crueldade e pela permissividade da utilização de métodos de humilhação e tortura psicológica contra uma mulher, demonstram a falência intelectual e moral de instituições que deveriam proteger a vítima e não o agressor.
A ideia cínica de um estupro “sem intenção” figura nas justificativas cotidianas de manutenção da violência doméstica, da violência sexual infantil, do abandono parental, de toda violência fruto de estruturas injustas, do privilégio de quem é homem, branco e rico. Nós não seremos coniventes e denunciaremos a cultura do estupro, que expõe a mulher à violência e à culpabilização, enquanto instiga e protege seu agressor. Sabemos como opera o patriarcado, mas aos poucos as sementes de Marielles e Marianas e Marias vão germinar. Estaremos juntas nessa alvorada. Hoje queremos ouvi-las, acolhê-las, apoiá-las, como nossa querida colega Lola Aronovich nos ensina. Vamos seguir denunciando o assediador, o estuprador, o processo de julgamento crivado de misoginia e anunciar que não haverá nenhum minuto de silêncio, enquanto uma de nós estiver em vulnerabilidade nesta sociedade desigual, patriarcal e violenta.
Fortaleza, 4 de novembro de 2020
Grupo de Trabalho de Políticas de Gênero e Diversidade Sexual
Grupo de Trabalho de Políticas de Classe e Étnico-Raciais