Em mais uma jogada que reflete a falta de transparência da atual gestão, a Reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC) apresentou em setembro último, durante plenárias virtuais, resoluções referentes às fundações de apoio que impõem ao Conselho Universitário (CONSUNI) apenas a homologação dessas decisões. Sem garantir qualquer debate, os atos contrariam legislação e decreto vigentes que regulam as relações entre as instituições federais de ensino superior e as fundações de apoio. A ADUFC vem denunciando e se mobilizando contra esses atos arbitrários e já encaminhou representação ao Ministério Público Federal (MPF) para acompanhar o caso.
Em reunião do CONSUNI no início de setembro, o presidente do referido órgão e interventor da UFC, Cândido Albuquerque, submeteu aos conselheiros a resolução que tratava da confirmação da escolha dos membros do Conselho Curador da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC). Os integrantes já haviam sido empossados previamente, sem consulta ao conselho superior da Universidade, mas um alerta do Ministério da Educação (MEC) de que essa decisão não poderia ser tomada monocraticamente obrigou Cândido a apresentar o processo para apreciação no CONSUNI. Entretanto, os conselheiros não tiveram sequer a oportunidade de debater ou indicar opções de nomes para o órgão, conforme prevê o Decreto 7.423/2010.
Professora adjunta da Faculdade de Direito da UFC e conselheira do CONSUNI, Cynara Mariano apresentou voto divergente a essa resolução. Ela cita o artigo 4º do Decreto 7.423/2010, que assegura que metade da composição dos órgãos dirigentes dessas entidades deve ser “indicada pelo órgão superior da instituição apoiada” e não apenas confirmada, como foi feito pelo reitor. A docente diz que se faz imprescindível essa vigilância para garantir que a transparência e lisura sejam respeitadas nesses processos, uma vez que essas entidades movimentam receitas vultosas de recursos públicos federais.
“É muito importante que as funções nessas fundações de apoio sejam preenchidas com critérios republicanos, transparentes (…), que pelo menos haja um controle do que essas fundações estão fazendo, dos recursos que estão recebendo, se esses recursos de projetos estão sendo investidos para o bem das universidades…”, ressalta a Profª. Cynara.
Em seu voto, a conselheira pede ainda que seja tornada sem efeito a indicação do diretor da Faculdade de Direito da UFC e conselheiro, Maurício Benevides, para o referido conselho da FCPC, confirmada em reunião anterior do CONSUNI, argumentando que “não foi dada a oportunidade para os conselheiros realizarem a sua indicação” nem foi esclarecido na ocasião que a competência lhes pertencia. A despeito da ponderação da professora Cynara Mariano, o processo foi aprovado pela maioria, com oito votos contrários e cinco abstenções.
Poucos dias depois, nova resolução do presidente do CONSUNI atacou mais uma vez a autonomia universitária ao credenciar a Fundação Paulo Bonavides como fundação de apoio sem respeitar o protocolo exigido no Decreto 7.423/2010. A conselheira Cynara Mariano alerta para a ausência no processo de dois documentos exigidos pelo referido decreto: a ata do órgão deliberativo da fundação a ser credenciada autorizando o próprio credenciamento e a norma aprovada pelo CONSUNI que discipline o relacionamento da UFC com a fundação.
“Porque é nesse plano (de relacionamento) que a gente vê o que a fundação de apoio vai fazer. Dei um voto divergente dizendo que nenhuma fundação poderia ser credenciada sem esse documento, porque ele é uma exigência legal, e que nós, conselheiros, não podíamos aprovar o credenciamento de uma fundação sem saber o que ela iria fazer”, justifica Cynara. O credenciamento da Fundação Paulo Bonavides como fundação de apoio da UFC foi aprovado por um CONSUNI sem estudantes e nem servidores Técnico-Administrativos em Educação (TAEs) com 18 votos favoráveis (dos quais nove de conselheiros diretamente ligados à reitoria) e 17 votos contrários (nomes listados ao fim da matéria).
Nesse quadro, é questionável, ainda, o fato de matérias de natureza deliberativa estarem sendo encaminhadas e apreciadas em Plenário Virtual, como vem ocorrendo de forma continuada, contrariando a Resolução do CONSUNI que regulamentou esse tipo de mecanismo deliberativo.
MPF é acionado e legislação é clara
Diante da denúncia, a ADUFC e a professora Cynara Mariano assinaram conjuntamente representação encaminhada ao MPF. No documento, é solicitado que o Ministério Público Federal peça informações ao presidente do CONSUNI, Cândido Albuquerque, sobre as citadas resoluções, bem como sobre a negativa em empossar no Conselho Universitário os oito representantes estudantis eleitos pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFC.
Também é requerido que o Núcleo de Combate à Corrupção do MPF no Ceará adote um mecanismo ou procedimento para acompanhamento permanente do relacionamento da Fundação Paulo Bonavides e da FCPC com a UFC.
O Decreto 7.423/2010 regulamenta a Lei no 8.958, de 20 de dezembro de 1994, que dispõe sobre as relações entre as instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio, revogando o Decreto no 5.205, de 2004. De acordo com o texto, dentre os documentos que devem constar no pedido de registro e credenciamento dessas fundações estão “atas do órgão colegiado superior da instituição apoiada e dos órgãos da fundação de apoio, comprovando a composição dos órgãos dirigentes da entidade, dos quais mais da metade deverá ter sido indicada pelo órgão colegiado superior da instituição apoiada e, no mínimo, um membro deverá provir de entidades científicas, empresariais ou profissionais, sem vínculo com a instituição apoiada”.
Credenciamento da Fundação Paulo Bonavides como fundação de apoio da UFC:
Votos favoráveis
José Cândido Lustosa Bittencourt de Albuquerque
José Glauco Lobo Filho
Elizabeth de Francesco Daher
Geovana Maria Cartaxo de Arruda Freire
Ana Paula de Medeiros Ribeiro
Marcus Vinícius Veras Machado
Almir Bittencourt da Silva
Augusto Teixeira de Albuquerque
Jorge Herbert Soares de Lira
Maurício Feijó Benevides de Magalhães Filho
Paulo Rogério Faustino Matos
Lindberg Lima Gonçalves
Sônia Maria Pinheiro de Oliveira
Livio Antônio Melo Freire
João Macedo Coelho Filho
Maria Eleni Henrique da Silva
Maria Ozilea Bezerra Menezes
Ruy Ferreira Lima
Votos contrários
Cynara Monteiro Mariano
Liana Viana do Amaral
Helena Martins do Rego Barreto
Ana Rita Fonteles Duarte
Maria Elias Soares
Rafael dos Santos da Silva
Juvênia Bezerra Fontenele
Heulália Charalo Rafante
Luiz Fábio Silva Paiva
Andréia Libório Sampaio
Marco Túlio Ferreira da Costa
Gabriel Antoine Louis Paillard
Lidiany Karla Azevedo Rodrigues Gerage
Regina Célia Monteiro de Paula
João Guilherme Nogueira Matias
Sandro Thomaz Gouveia
Carlos Almir Monteiro de Holanda