Aurilene Vidal (Assistente Social; Terapeuta e Consteladora Familiar)
A quarentena para mim está sendo o momento de aprofundar esse processo de autoconhecimento que venho trilhando nesses últimos anos. Quem pensa que autoconhecimento é um processo romântico, está enganado. Se conhecer, se desnudar é desafiador. Dar-se conta de como você tem atitudes egoístas, mesquinhas, violentas, coisas que te afastam da tua essência de tornar-se um ser humano melhor a cada dia. Olhar para tuas dificuldades, reconhecê-las, acolhê-las e dizer: Amanhã vou ser melhor do que eu fui hoje. Praticar diariamente um processo auto-avaliativo e que um dia meus defeitos possam fazer parte do passado e sair da minha vida de forma definitiva, não é fácil, mas é possível.
Esse processo de mudança foi mais profundo quando comecei a ter contato com a constelação familiar, com a prática do yoga, com a justiça restaurativa, com a comunicação não violenta e, hoje, com a filosofia prática. Esses conhecimentos lhe puxam para cima. Despertam em você um desejo de saber mais das coisas que verdadeiramente fazem sentido para a vida. Ao facilitar uma constelação e ver como resultado a liberação de uma dor que há tempos fazia o outro sofrer, mediar um círculo de paz, de responsabilização, e perceber como é transformador na vida das pessoas, me dá a certeza que estou no caminho certo. Esse processo de mergulho para dentro de si, não é fácil, mas é muito gratificante. Ver que, de alguma forma, você está contribuindo com a melhoria da saúde emocional sua e do outro e, assim, ajudar para que possamos ter relações mais afetivas, respeitosas, justas, fraternas, éticas, sem raiva, rancor e tristeza. Isso aos poucos vai modificando a nós mesmos e o nosso entorno. Isso pra mim é autocuidado, aprender a lidar melhor com as suas emoções, não se tornando prisioneira delas.
Hoje, acredito que se pudermos contribuir para que o ser humano se torne mais humano, menos egoísta, violento, mesquinho e infeliz, de fato vamos poder ver diminuir várias injustiças, pois, uma pessoa feliz, de bem com a vida, com sentimentos elevados, não tem a necessidade de machucar o outro, de fazer mal ao outro, de enveredar pelo fanatismo religioso. Ela vai sentir a presença do sagrado nela. Quando aprendermos verdadeiramente que não existe o outro, é tudo nós, iremos assim dar um salto como seres humanos. Tem um conto que diz o seguinte: o discípulo chega para um homem muito sábio e diz, “Mestre, quando você morrer vai direto para o céu de tão bom que você é”. Ele se vira para o discípulo e diz “eu não, eu vou é para o inferno”. O discípulo fica sem entender nada. O Mestre, vendo sua agonia, explica: “se eu for para o céu, quem vai lhe tirar do inferno?” Ou seja, de que adianta ir para o “céu”, quando eu sei que há pessoas no inferno. Só vale a pena ir para o céu, se forem todos para lá. Quando comecei a tomar consciência disso. foi libertador e me dá cada dia mais a vontade de ser um ser humano melhor. Tem uma frase de Platão, muito citada pela professora Lúcia Helena (Galvão?), uma filósofa de quem eu gosto muito: “a melhor coisa que você pode fazer pelas pessoas que ama é crescer como ser humano.” O processo do autoconhecimento exige mudança de comportamento e de hábitos. Não adianta ler, conhecer e não praticar todos esses aprendizados. E o mais importante é ter consciência de que esse percurso é feito degrau a degrau. E que vai ter momentos que eu vou descer um degrau e amanhã subi-lo novamente. E assim vou construindo essa caminhada de forma lenta e convicta.
Vou falar um pouquinho de como cada um desses processos de aprendizagem modificaram e modificam minha vida cotidianamente. Com o Yoga, aprendo a respirar corretamente e perceber a importância disso na minha vida prática, a ter mais disciplina, acordar às seis da manhã para meditar. Com a constelação familiar, aprendo quão importante é o perdão para a cura das nossas feridas. Com a justiça restaurativa, como todos nós somos também responsáveis pelo delito do outro. Gosto muito de uma passagem do livro “O Profeta”, de Khalil Gibran, quando ele fala do crime e do castigo: “e assim como uma única folha não fica amarela sem o consentimento silencioso da árvore inteira, o malfeitor não pode fazer o mal sem a vontade oculta de todos vós.” Essa é a coisa mais transformadora que eu aprendi com tudo que estou estudando e vivendo. Não adianta ir para o céu, se um semelhante a mim está no inferno. Isso seria egoísmo profundo. E o egoísmo é a causa de todos os males, eu acredito nisso. Portanto, se queremos de fato construir outra sociedade, ela passa indiscutivelmente pela transformação do ser humano. Ser uma pessoa melhor e com isso contribuir, a partir do seu exemplo, para que o outro também seja melhor, é hoje meu objetivo de vida. Esse objetivo não é fácil, como disse, vou cair muito, mas vou me levantar e continuar. Para mim, autocuidado é isso, cuidar de si e do outro.
Quando você inicia esse processo, percebe visivelmente as mudanças no seu entorno, você desenvolve um sentimento de gratidão, de alegria com as coisas mais simples do seu cotidiano. E todos os dias me pergunto o que eu aprendi hoje, o que eu ainda preciso matar dentro de mim, para continuar na busca da unidade com todos os outros seres. Dhammapada é um livro da doutrina Budista e tem uma passagem que diz: “melhor que mil palavras vãs é uma simples palavra que dá paz a quem a ouve.” Eu acho isso muito forte, e todos os dias eu peço o discernimento para ter a palavra certa que possa contribuir com o processo de crescimento do outro e, consequentemente, do meu. Isso me faz ficar mais atenta aos meus atos, palavras, gestos e pensamentos. E, toda vez que eu perceber que não agi como um ser humano de verdade, eu possa fazer a autocrítica e modificar aquela ação, atitude… Hoje eu sei mais do que nunca que violência não se combate com violência, que precisamos cada vez mais ser responsáveis pela construção do mundo melhor, onde todos estejam incluídos. Só reforçando, não é fácil, mas é possível. Hoje sem dúvida eu sou melhor do que ontem e amanhã quero ser melhor do que hoje.