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MEMÓRIAS DE QUARENTENA 45: CHEGADAS EM TEMPOS DE PARTIDAS

Carol Bentes (Doula e Professora da UECE).

Todo dia ao abrir os olhos, sinto-me mais íntima do Chico… ele e “cotidiano” nunca fizeram tanto sentido. Sol nasce na janela, desperto e olho o celular. O dia se inicia com as intermináveis demandas. É casa, trabalho, doutorado, shalom, família, amigos… Preocupação com o mundo e com o futuro, tudo desconhecido, imprevisível, improvável. Sinto raiva do (des)governo, raiva da falta de cuidado com o outro, medo de sair, medo do bicho invisível, medo do mundo.  Vontade de sair, imperativo ficar. E assim vão correndo os dias nesse tempo que passa, mas parece não sair do lugar. “Todo dia ela faz tudo sempre igual”. Café para resistir, Exercícios, às vezes, para fingir normalidade. Trabalho, trabalho e mais trabalho. Abuso da minha cara. Uma saudade interminável. Uma vontade de amar profunda. E uma mesmice quase amiga. Solidão ou solitute? As duas, talvez. A assim passou-se quase quatro meses. Um chamado interrompe a mesmice. Uma voz tão urgente quanto à morte anunciada nos jornais. Do outro lado uma mulher em trabalho de parto. Insegura, chora, pede ajuda. Apesar de responder prontamente, persistia o medo. Ligo para uma amiga doula e ela lembra uma frase de madre Teresa de Calcutá, “Não tenho medo. Tenho água, sabão e amor”. Não podia negar, eu, ao contrário, sentia muito medo, mas também muito amor. Olhei no espelho e fiz a lista mental de todos os EPI, novos companheiros de trabalho. Máscara, óculos de proteção, face shield, touca, luvas, meias, sapato lavável e, dessa vez, que tinha que ser blusa de manga comprida.  Meu coração batia forte, parecia que tinha voltado cinco anos e estava indo acompanhar meu primeiro parto. Olho no espelho e vejo uma iniciante, mas isso me enche de alegria. Quer privilégio maior do que ver a vida nascer na pandemia? Aquele era um dia especial e diferente. Uma mulher, em dores de parto, conta com a ajuda de outra mulher para vivenciar um parto respeitoso e amoroso. É possível humanização em meio ao caos.  Quando cheguei a sua casa que me dei conta, ali se formava uma egrégora feminina. Eu, ela, aquela que ia nascer e todas as suas ancestrais.  Dor, grito, medo, coragem. Parto não é limpinho, é suor, fluido, sexo. Hospital! E ali, naquele ambiente que eu chamei tantas vezes de inóspito, sentia uma felicidade imensa. Quanta ocitocina, quanto amor. E ainda, para brindar aquele encontro, pela primeira vez vejo uma bebê nascer empelicada. Com todo respeito. Luz baixa, ar condicionado desligado, o grito da mãe, as lágrimas do pai. Lágrimas de todas, da doula, da mulher, da pequena que respirava pela primeira vez. A mulher tão forte, constratava com os momentos dolorosos, parecia não acreditar que pariu. Linda, poderosa e empoderada, capaz de enfrentar o mundo. Descobriu que é verdade, bebês sabem nascer, mulheres sabem parir, mesmo em tempos de pandemia.

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