Larissa da Silva Sousa
Pedro Alisson Santos de Sousa
(Estudantes de Psicologia/UFC e Integrantes do NUCEPEC)
Estávamos na metade do mês de março de 2020 quando as aulas foram canceladas e teve início à quarentena em Fortaleza. Passadas algumas semanas, o número de infectados já cresce exponencialmente e são inúmeras as dúvidas: “como isso começou?”, “o que nos espera?”, “quanto tempo isso vai durar?”, “quais são os grupos de risco?”, “quais são os cuidados?”, “o que o governo vai fazer?”. Além disso, outro temor nos espreita, pois a falta de dinheiro faz com que a fome se torne também um inimigo. É angustiante não sabermos como vamos subsistir em casa. Meu pai trabalhava com fotografias e sustentava a família, mas por conta das determinações de isolamento social, ele perdeu seu emprego e não pode procurar outro até que a situação melhore. Já não era fácil carregar o sustento da casa sozinho, agora é quase impossível. Para piorar a situação, ele faz parte de grupo de risco, e tememos pela sua saúde. Estamos tentando sobreviver como podemos, e o auxílio de amigos e familiares neste momento é nosso apoio. Contudo, o vislumbre do futuro é assustador para nós e para tantas outras famílias que, nestes tempos de pandemia, estão em uma situação semelhante ou ainda mais vulnerável.
O pico do número de casos chegou em maio, acentuando a crise de saúde, mas também política e econômica, que estampam as manchetes dos jornais. São milhares de mortos e o que estava apenas nas notícias, agora acontece com a vizinhança, com os amigos, dentro de casa. No período de apenas 8 dias, perdi dois tios. O último contato que tivemos com um deles foi uma mensagem de “reza por mim, tô indo para o hospital.” E depois disso vieram algumas das complicações graves da doença e, então, a intubação e a UTI, a cirurgia no pulmão, a hemodiálise e a morte. Não tínhamos contato direto: tudo aconteceu apenas por mensagens trocadas pelo Whatsapp. Não houve despedida, a última palavra permaneceu não dita, entravada na garganta e incrédula de que tudo isso estava acontecendo. Só dias depois conseguimos lançar uma última mensagem em direção ao desconhecido e na esperança de que ela chegasse até ele. É difícil acreditar que todas essas coisas estão acontecendo de forma tão brusca.
Parte da minha família se foi e de tantos outros também. Mas e quantos mais estão para ir? O medo da perda é diário e a incerteza é angustiante. Nas redes sociais, postagens de despedidas para alguém querido que partiu, vítima da doença e do descaso, são cada vez mais frequentes. E é nesse contexto, de luto, dor, revolta e medo, que a UFC, em medida controversa e insensível, anuncia os Encontros Universitários Online e o retorno das aulas de modo remoto como uma realidade. A lógica da produtividade absoluta nos cerca: é preciso fazer, não importa em que circunstâncias, não importa o bombardeio de notícias, o sufocamento por lágrimas, o engasgo com dores que não posso gritar. Não importa se assistirei aulas sentado em minha cama com o caderno apoiado no cesto de roupa suja ou na mesa da cozinha, me espremendo entre as panelas, dividindo a mesa de apoio com quem prepara o almoço, dividindo minha atenção entre o conteúdo e a panela no fogo, a criança chorando, o bebê com a fralda para trocar. São dias difíceis, dias de luta, de luto. Perdi meu avô que desempenhava função de pai. Além da Saúde, agora a Educação está em xeque. Não só a educação da escola pública ou particular, do ensino fundamental, médio ou superior. Todo o sistema se degrada, nem Ministro temos mais. E ainda assim a Universidade fecha os olhos para tudo isso, tentando a todo custo fazer acontecer. Afinal, é assim que querem construir o novo sistema superior de ensino do País, ensinar para quem pode. O ensino público, gratuito, de qualidade e acessível está em risco. É acessível para quem tem seu computador, no seu quarto silencioso, com sua internet de qualidade, sem ter tanto com o que se preocupar, enquanto alguém prepara seu almoço.
As políticas não chegam a todos, diferente do vírus. A Covid-19 não escolhe classe social, gênero, cor, religião, estamos todos expostos. Me sinto cercado de perigos por onde quer que olhe. Pânico, ansiedade e depressão espreitam. São tantos medos, tantos temores, tantas notícias, tanto de tudo me afogando, me sufocando, cada vez mais perto, dentro … eu não consigo respirar (I can’t breathe…). Mas esse é o momento de nos levantarmos, todos nós, para lutar pela universidade que queremos, pelo país que merecemos, pelos direitos que conquistamos. Juntos somos mais fortes, podemos mais, chegaremos no amanhã e ele será melhor que o hoje. Falta um longo caminho a percorrer e faremos isso de corações dados, já que não podemos dar as mãos, todos e todas, cuidando de si e do outro, protegendo-nos. Sabemos que o mundo pós pandemia será totalmente novo, e chegaremos lá juntos, em um mundo que será reconstruído por nós, que precisará de nós tanto quanto cada um precisa de si mesmo e do outro. Vamos cuidar, lutar, defender, construir. É preciso estar atento e forte, e para quem acha que não consegue, repetimos: você não está só.