Ao contrário do que vem divulgando a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), houve impactos em diversos programas de pós-graduação (PPG) do Brasil com as novas normas implementadas pela agência em 2020. Esta semana, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou um estudo em que alerta, entre diversos pontos, que os programas de conceito 3 e 4 foram os mais prejudicados pelas mudanças, com redução de até 40% das bolsas permanentes. O estudo foi feito através de um Grupo de Trabalho (GT) sobre as políticas da Capes para a distribuição de bolsas.
Na última terça-feira, 23 de junho, o GT encaminhou a líderes das Frentes e Comissões Parlamentares de Educação e CT&I uma análise desses impactos. Eles referem-se às portarias 18, 20 e 21 e, especialmente, à Portaria nº 34, publicada em 9 de março último. Esta cortou de 20% a 50% das bolsas de pesquisa de mestrado e doutorado, o que pode alavancar efeitos devastadores para o Brasil e para a produção da ciência. Como a ADUFC apontou em matéria publicada no dia 24 de março, apenas na UFC esses cortes significaram, à época, a perda de 217 bolsas – alguns cursos tiveram cortes acima de 30% e cursos com conceito 3 chegaram a perder 100% das bolsas.
O estudo da SBPC baseou-se nos dados de um relatório divulgado pela própria CAPES após a implementação da Portaria 34 e os comparou com a situação de cada programa no fim de 2019. Os analistas do GT observaram que o número de bolsas permanentes caiu de 77.629 para 69.508 nesse período – o que representa um percentual de 10,4%.
Mudanças favorecem desigualdades regionais
Intitulada “A nova política de distribuição de bolsas da Capes: onde estamos e o que esperamos do novo plano”, a análise examinou a variação no número de bolsas em função de critérios adotados pela Capes para a distribuição destas. Ou seja, fatores como: nota do programa, regiões geográficas, áreas de atividade e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Os programas de pós-graduação mais prejudicados estão justamente nos municípios com menor IDHM, favorecendo ainda mais – como ressalta o documento – as desigualdades regionais.
Um dos principais argumentos utilizados pela CAPES para a implementação de mudanças na distribuição de bolsas foi que a redistribuição destas atendesse às necessidades de regiões mais carentes. O que os pesquisadores constataram, no entanto, é que sem as bolsas de empréstimo as regiões Sul, Centro-Oeste, Norte e Nordeste tiveram uma perda em média de aproximadamente 14%, enquanto a região Sudeste apresentou uma perda aproximada de 7%. “Ou seja, esta região foi beneficiada pela mudança. Lembremos que a região Sudeste é responsável por 55,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro”, enfatiza o documento da SBPC encaminhado aos parlamentares.
Programas com notas menores: maiores prejudicados
Perda notável do número de bolsas entre os programas com notas menores – este foi um dos efeitos mais marcantes percebidos pelo GT da SBPC. “Existe uma dependência evidente: PPGs com notas menores apresentaram maiores prejuízos”, aponta o estudo. Segundo o documento, programas nota 3 perderem cerca de 40% de suas bolsas; programas nota 6 tiveram variação desprezível, enquanto programas nota 7 tiveram um aumento de cerca de 10% no número de bolsas. “Este trabalho evidencia que o resultado da Portaria 34 foi simplesmente penalizar os PPGs 3 e 4, beneficiando programas já estabelecidos”, comenta o GT da SBPC no estudo.
Os pesquisadores evidenciam, ainda, uma dependência semelhante que pode ser vista quando incluídas as bolsas de empréstimo na análise. Neste caso, programas nota 3 perdem cerca de 5% de suas bolsas, enquanto programas nota 7 têm um aumento aproximado de 15%. “Nota-se que os programas com nota mais baixa, aqueles mais afetados pelo corte de bolsas permanentes, são os mais dependentes de empréstimos, e onde as maiores perdas acontecerão nos próximos anos”, conclui a análise.
Proposta é criar grupo de trabalho permanente
Uma das principais críticas direcionadas à CAPES desde a publicação da Portaria nº 34, é a falta de diálogo prévio com a comunidade científica e acadêmica. Desde que o anúncio se tornou público, diversas instituições brasileiras já haviam manifestado repúdio à decisão. O estudo da SBPC propõe que a própria entidade se una a outras para formarem um grupo de trabalho permanente junto com a agência nacional de fomento. Fórum de Pró-reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) e Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG) estão entre os outros membros desse possível GT, que representaria, de fato, a comunidade científica e que possa debater, com transparência, mudanças mais profundas nos programas de distribuição de bolsas de pós-graduação.
(*) A íntegra do estudo “A Nova Política de Distribuição de Bolsas da CAPES: Onde Estamos e o que Esperamos do Novo Plano” pode ser lida em pdf: ACESSE AQUI.
(**) Com informações do Jornal da Ciência.