Ingrid Rabelo (Assistente Social; Assessora de Juventudes JAP/ CDVHS; Integrante da Rede DLIS do Grande Bom Jardim)
Tudo parecia caminhar normalmente, avaliações do ano que passou, que, por sinal, foi bem desafiador; e planejamentos para o ano que inaugurou a nova década, até que o novo vírus chegou, e se fez necessário parar e seguir as orientações das organizações de saúde: ficar em casa, manter distanciamento social para barrar o Covid-19. Mas uma situação já bastante conhecida nos preocupava; como falar isso para quem precisa sair diariamente em busca da sobrevivência? Feirantes, catadores de materiais recicláveis, vendedores ambulantes, principais profissões dos moradores das periferias, estes ficaram impossibilitados de fazer aquilo que garante o pão de cada dia. E, aí vem a primeira lembrança: o distanciamento histórico do Estado nas periferias, agora com algo que parecia, a princípio, afastado de todos e todas nós: a pandemia, novidade na qual as famílias que possuem (ou não possuem?) ativos para sobreviver na vulnerabilidade, não estavam preparadas. Foi aí que percebemos a importância da solidariedade, de Ser Ponte entre quem tem o desejo de ajudar e quem está precisando.
Percebemos o quanto ela, a solidariedade, é contagiante tanto em que doava, como em quem recebia e se lembrava do vizinho, do amigo, do familiar que também estava necessitando. E assim as famílias também apontaram para onde a campanha poderia chegar. Percebemos o quanto é importante a presença do Estado, para prevenir, chegar antes da fome, impedir que as privações batam na porta. Fazem falta as políticas públicas municipais e estaduais para atender as necessidades básicas das comunidades, desde o teste para identificar a doença em pessoas sintomáticas até ações dialogadas com organizações comunitárias que conhecem as vulnerabilidades e potencialidades das famílias. Falando em organizações, impossível não se lembrar da coragem, proatividade e compromisso das organizações comunitárias e de grupos que surgiram para atender as necessidades mais emergenciais do ser humano; a nutrição, a orientação sobre os direitos sociais, ponte para o acesso à dignidade.
Participar de uma campanha em Rede, especialmente da Rede DLIS (Rede de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável) do Grande Bom Jardim, possibilitou andar pelas ruas das comunidades. Estar cara a cara com a extrema pobreza não é fácil, os olhares de espera das pessoas pelo Estado, que poderia chegar através do saneamento básico, da cultura, da água encanada, da nutrição, da análise de um auxílio que deveria ser emergencial. Tudo isso me faz lembrar da música “Até quando esperar”, da banda Plebe Rude, questionando o porquê de tanta riqueza não ser distribuída.
Por falar em música, a quarentena estaria ainda mais difícil sem a arte, os/as artistas, pouco valorizados e incentivados em nosso país, estão sendo grandes aliados para o enfrentamento do distanciamento social. Os saraus transmitidos pelas lives permitem reunir os amigos, mesmo que virtualmente, fazer brincadeiras, planos para quando tudo voltar ao novo normal, sim, um Novo, pois o anterior não era sadio. Precisamos de uma sociedade sem racismo, sem preconceitos, sem LGBTfobia, sem o Covid-19, sem esse capitalismo selvagem e, com pontes fortalecidas para o acesso aos direitos sociais. Que possamos ser Pontes, sem deixar de exigir que o Estado assuma a responsabilidade de também Ser. Essas são minhas lembranças e desejos, de que possamos ter forças para lutar por políticas públicas que incentivem a população a sonhar, a criar, a viver, pois cada vida importa.