Não demorou muito para que o interventor chegasse a um dos pontos mais substanciais de alocação de recursos na UFC: os programas de bolsas. Cândido Albuquerque, com a colaboração da PROPLAD, vem apresentando a gestores uma minuta de Portaria sobre os programas de bolsas da UFC, que passa por cima de uma Resolução do CEPE, aumenta seus poderes sobre a distribuição de bolsas na instituição e antecipa a implantação do Future-se.
A pretexto de 1) “planejamento institucional”, 2) avaliação “por indicadores de desempenho acadêmico precisamente definidos e regulamentados”; e 3) “racionalidade de recursos financeiros”, a minuta de Portaria não se baseia em nenhum tipo de estudo sobre os programas de bolsas existentes e nenhum planejamento que aponte para objetivos claros.
No entanto, é possível distinguir objetivos implícitos nessa minuta de Portaria, os quais discutimos a seguir:
1) Concentrar poder nas mãos do interventor
O instrumento monocrático utilizado para essa normatização, a Portaria, visando alterar matéria disciplinada pelo CEPE, já mostra as intenções antidemocráticas do interventor e sua equipe da PROPLAD. Além da alteração indevida de programas acadêmicos instituídos pela Resolução 08/2013, do CEPE, a Portaria estabelece uma avaliação de programas de bolsas inteiramente sob controle do interventor e de um comitê a ser definido por ele, sem que os critérios dessa avaliação sejam minimamente explicitados.
Como a Portaria determina que os resultados da avaliação incidirão sobre os programas a partir do segundo ano, a forma, os critérios e a análise da avaliação, definidas por esse comitê, poderão levar à transferência de recursos de um programa para outro, de uma pró-reitoria para outra, de um público-alvo para outro. Além disso, será possível e fácil maquiar os cortes de bolsas justificando-os com supostos dados negativos de avaliação.
2) Fortalecer o clientelismo
Pela minuta de Resolução, o reitor também poderá distribuir, a seu critério, monocraticamente, até 15% das bolsas para programas de bolsas das pró-reitorias. Isso quer dizer que o interventor sozinho decidirá pelo destino de 15% de todas as bolsas da UFC.
Numa face da moeda, portanto, está o aumento de poderes do interventor e, na outra, as condições para a prática do favor com dinheiro público. Em vez de critérios claros e democraticamente estabelecidos, o interventor poderá utilizar a alocação de bolsas para formação de uma clientela, pervertendo o princípio da impessoalidade que rege as instituições públicas. Em vez de modernização e transparência, as velhas práticas do favor e do patrimonialismo.
3) Implantar o Future-se por dentro
A inserção nos editais de bolsas de “novos mecanismos de acompanhamento e avaliação dos bolsistas” e a insistência em “indicadores de desempenho” são tentativas de implantar enclaves do Future-se no coração de nossa vida acadêmica, já que as bolsas estão presentes em todas as dimensões da universidade.
Que novos mecanismos, que indicadores de desempenho são esses? Em que se baseiam? Em nenhuma parte da Portaria eles são definidos e regulamentados, muito menos “precisamente”, como o documento diz fazer em suas considerações e justificativas iniciais.
O interventor, com essa Portaria, se dá uma carta em branco para manipular os programas de bolsas e começar a cumprir sua tarefa de implantar o Future-se, contra a vontade da comunidade universitária.
4) Aumentar a pressão sobre professores e estudantes
Novos mecanismos de acompanhamento e indicadores de desempenho significam mais controle e mais exigências em cima de professores e estudantes. No cenário atual de cortes de recursos para a educação pública e desmonte ativo da produção de ciência pelo governo Bolsonaro, que nomeou o interventor, o endurecimento de critérios é uma estratégia para justificar cortes e jogar a responsabilidade pelo insucesso nos agentes individuais.
Nem precisamos dizer que, diante dos quadros já gravíssimos de adoecimento na comunidade universitária, é uma estratégia desumana, que merece nosso repúdio.
E nós? Queremos mais, não menos democracia.
O excelente documentário de Noam Chomsky, Réquiem para o sonho americano, aponta que “reduzir a democracia” é um dos princípios da acumulação de riqueza e poder. É esse o grande objetivo implícito da minuta de Portaria que discutimos aqui. Precisamos, portanto, estar atentos às investidas autoritárias do interventor, que, como sabemos, não tem apreço pela democracia e autonomia universitárias.
Os critérios para alocação e concessão de bolsas devem ser democraticamente pensados e discutidos por toda a comunidade universitária, nos colegiados da UFC, sempre no sentido do interesse público e da transparência. Avaliações e estudos devem ser feitos para garantir o cumprimento de nossa função social como instituição pública e não para nos amesquinhar e restringir a metas gerenciais de eficácia duvidosa.
Nossas melhores energias vamos dirigi-las para as urgentes lutas coletivas: para a recomposição do orçamento das instituições públicas de ensino, para a defesa da universidade pública, gratuita, democrática e de qualidade, para a defesa da carreira docente, para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Essa luta vale a pena. Essa luta é nossa!