Professores, servidores técnico-administrativos, estudantes, movimentos sociais e sociedade civil se reuniram, na última quarta-feira (25), para dizer não à censura imposta pela gestão superior da Universidade Federal do Ceará (UFC) à Rádio Universitária FM. Em defesa da comunicação pública e da democracia universitária, a comunidade participou do ato “Universitária FM Livre!”, que contou com cortejo, falas de repúdio ao autoritarismo da reitoria e diversas manifestações culturais. A ação coletiva é um desdobramento do afastamento recente do diretor da emissora, Prof. Nonato Lima, após censura da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC) legitimada pela gestão superior da UFC.
Diretores da ADUFC empunharam uma faixa, durante a concentração do ato, em frente à Rádio Universitária, com frase em defesa da emissora. Após um momento inicial de falas contra a intervenção do governo Bolsonaro na universidade, manifestantes marcharam pela Avenida da Universidade, passando pela sede da FCPC, no Centro de Humanidades III, onde representantes do Maracatu Solar entoaram sons e tocaram tambores contra a intolerância religiosa e o racismo. Entre os motivos alegados para censurar o Prof. Nonato Lima está o incômodo da fundação com a veiculação de canções de ritmos africanos, chamadas pelos interlocutores da FCPC, instituição à qual a Rádio é ligada, de “músicas de macumba”.
A passeata também entrou no prédio da reitoria e protestou contra a arbitrariedade do interventor. Durante a manifestação, o Prof. Nonato Lima agradeceu o acolhimento que vem recebendo desde que deixou o cargo que ocupava há mais de 15 anos. “Agradeço pelo apoio e solidariedade não só a mim, mas à equipe da Rádio Universitária FM, aos jornalistas da Comunicação da UFC, aos ouvintes da Rádio e à sociedade, que é a verdadeira dona desse espaço e tem interesse que ele continue sendo público e aberto à pluralidade”, disse o docente, que apresentava, há 26 anos, o programa Rádio Livre, que foi censurado.
Nonato Lima também fez a defesa inegociável das liberdades e lembrou que o cenário que vivemos hoje resulta do acúmulo recente de sucessivos ataques à democracia. “A democracia, ainda que frágil, incipiente e cheia de desigualdades, precisa ser preservada”, reforçou. “Desde 2019 vimos o poder central dar as costas para o povo brasileiro. Na verdade, desde o golpe de 2016 já se sabia o que vinha, mas não em que proporção”, acrescentou, pontuando que a universidade só funciona com “diálogo, fala e escuta”.
O presidente da ADUFC-Sindicato, Prof. Bruno Rocha, também se manifestou contra a intervenção federal na UFC. “Quando o governo Bolsonaro foi derrotado no Future-se, um projeto de privatização da universidade, ele achou uma forma de entrar na universidade e privatizá-la por dentro, colocando interventores nas universidades públicas”, criticou. O docente denunciou a apropriação da comunicação e dos espaços públicos para finalidades pessoais do interventor. “Nesse momento que a gente vê a UFC se apropriar do instrumento mais importante de comunicação social que nós temos é que percebemos que a intervenção ainda não chegou ao seu limite”, apontou.
No Bosque de Letras da UFC, a comunidade universitária celebrou as diversidades e firmou um compromisso pela resistência contra esses tempos sombrios que vivemos. Citando Carlos Drummond de Andrade, a Profª. Adelaide Gonçalves, do Curso de História da UFC, convocou todas e todos à ação. “Se tudo é proibido, então falamos. Essa é a nossa palavra de ordem. Se eles tentam nos calar, vamos gritar”, declarou. A docente fez um discurso potente em defesa da universidade pública e denunciou a criminalização liderada pela reitoria contra os movimentos sindical e estudantil.
“A nossa universidade não pode se curvar. Este professor que está aboletado na reitoria é arrogante, truculento, persegue os estudantes, cassou a palavra da representação estudantil no Consuni, se dirige ao nosso sindicato, ADUFC, bravo e resistente, (…) como grupelhos dentro da universidade”, repudiou. “Esse interventor que persegue estudantes e assedia trabalhadores chegou agora ao ponto máximo do programa fascista, ele quer cercar os equipamentos de cultura e arte na universidade, e o primeiro deles, dada a força e potência da repercussão e reprodução social, é a nossa Rádio Universitária”, completou.
A Profª. Kamila Fernandes, do Curso de Jornalismo da UFC, leu uma carta aos ouvintes da Rádio Universitária FM e à sociedade, assinada pelo corpo de funcionários da emissora. “Não podemos aceitar a censura e somos contra o negacionismo histórico, científico e cultural. Por isso, trazemos, para este momento, a missão da Universitária FM – e, por consequência, de cada integrante da equipe: promover a educação não formal dos ouvintes por meio da música e do radiojornalismo, em constante diálogo com a comunidade acadêmica da Universidade Federal do Ceará, movimentos sociais, organizações não governamentais e demais setores da sociedade”, diz trecho da carta, que pode ser lida na íntegra no site da ADUFC.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas no Ceará (Sindjorce), Rafael Mesquita, também fez uma fala em defesa da liberdade de imprensa e alertou sobre os ataques a jornalistas no exercício da profissão. “Desde Brasília até aqui em Fortaleza, esses ataques têm um fio condutor fundamental: bolsonarismo, Bolsonaro, essa política nefasta, fascista, que destrói as nossas instituições”, destacou. “Esse governo da morte é contra a informação, é um governo da mentira. Então não poderiam ser diferentes os ataques que promovem contra jornalistas”, concluiu.
Representando o Diretório Acadêmico do curso de Comunicação Social, a estudante Raquel Aquino traduziu a estupefação seguida de resistência como a censura na rádio foi recebida pela comunidade. “A Rádio Universitária sempre teve o propósito de educação, de informação… Quando isso (censura) acontece, a gente fica sem reação. Mas a gente está aqui porque o corpo estudantil, os professores não assistem a isso calados”, assegurou.
O dia de luta foi encerrado com música e poesia contra o autoritarismo. “Temos que celebrar essa força e resistência, esse ato democrático, essa parceria, essa comunidade unificada formada por servidores técnico-administrativos, estudantes, professores, por ouvintes da Rádio Universitária e o nosso querido Nonato Lima, que tão bravamente tem expressado essa resistência a mais esse ato da intervenção, o qual nós repudiamos e certamente superaremos”, pontuou a Profª. Helena Martins, secretária-geral da ADUFC.
Além de Maracatu Solar e Pingo de Fortaleza, apresentaram-se no ato político-cultural Jord Guedes, Rogério Lima, Paulo Araújo, Masôr Costa, Mona Gadelha, Marcos Melo, Marta Aurélia, Parahyba de Medeiros, Mumutante, Mateus Fazeno Rock, Apá Silvino, Marcos Fukuda e Edinho Vilas Boas. Também foi veiculado o jingle da Rádio Universitária FM na ocasião como símbolo de resistência da emissora.