A Universidade Federal do Ceará (UFC) está sob intervenção há exatos dois anos, quando José Cândido Lustosa Bittencourt de Albuquerque foi nomeado à revelia do resultado da consulta à comunidade universitária. Jair Bolsonaro, notório inimigo da universidade pública e da ciência, nomeou o gestor em agosto de 2019, mesmo ele tendo obtido apenas 4,6% dos votos na consulta à comunidade universitária. O reitor eleito, Custódio Almeida, obteve 56,4% dos votos e a inequívoca indicação dos três segmentos (professores, técnico-administrativos e estudantes), mas foi preterido sem qualquer justificativa. Cândido e outros interventores nomeados por Bolsonaro restam como um legado nefasto das piores gestões do Ministério da Educação (MEC) para as universidades públicas.
Diversos têm sido os capítulos da intervenção política de Jair Bolsonaro na UFC, cujo interventor, em total desrespeito à autonomia universitária, interfere no funcionamento dos conselhos universitários e persegue quem o questiona. Desde os primeiros dias de sua nomeação como reitor, em agosto de 2019, o interventor Cândido Albuquerque segue manifestando posturas autoritárias, buscando impor decisões arbitrárias e perseguir integrantes da comunidade universitária que manifestem postura crítica à sua gestão.
Ao longo de dois anos, são muitos os exemplos das consequências negativas do processo de intervenção na UFC. Esvaziamento dos conselhos superiores, posturas negacionistas diante da pandemia, rompimento de relações institucionais com entidades representativas dos três segmentos universitários, preferência por instrumentos normativos monocráticos, abertura de Processos Administrativos Disciplinares (PADs) infundados, com ameaça de demissão e até intimidações públicas a docentes que utilizam redes sociais pessoais para manifestar desaprovação à intervenção.
Os episódios de assédio moral e perseguições a membros da comunidade universitária que não compactuam com a atual gestão são recorrentemente denunciados e enfrentados pelas entidades representativas de docentes, técnico-administrativos e estudantes. O expediente de criminalização a docentes e discentes utilizado de forma reiterada pelo interventor da UFC já foi apontado por diversas entidades e órgãos – inclusive externos à instituição – como afronta aos direitos humanos, à liberdade de manifestação, à livre expressão, à liberdade de atuação sindical, e à crítica científica e política no ambiente acadêmico.
Também desde o início desse processo ilegítimo e antidemocrático, uma forte resistência em defesa do restabelecimento da autonomia universitária e contra o autoritarismo na UFC vem movimentando a comunidade universitária. No âmbito do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC-Sindicato), chegou a ser criado – e encontra-se em pleno funcionamento – um observatório permanente para denunciar e prevenir o assédio moral e a perseguição política nessas instituições.
Cândido e Bolsonaro: um mesmo projeto autoritário e elitista
Desde que foi nomeado reitor da UFC, o interventor Cândido Albuquerque vem repetindo em nível local o estilo autoritário e agressivo do Planalto, alterando constantemente a realidade para que sua propaganda se coloque como verdade. Olhando-se para esses dois anos de intervenção na UFC, ficam evidentes o tempo conturbado, as dificuldades de se manter relações institucionais com a Reitoria, a fragmentação, o clima geral de apreensão, as intimidações, as perseguições.
Cândido Albuquerque tem tido algumas orientações muito claras desde o início de sua intervenção. A primeira é destruir a gestão democrática da universidade, porque ela é um obstáculo ao projeto de ensino superior de setores bolsonaristas e liberais. Este projeto foi explicitado recentemente pelo Ministro da Educação, Milton Ribeiro: a universidade para poucos. E é com mais esse declarado inimigo do compartilhamento do ensino e do saber que o interventor não se furta a se alinhar de forma explícita. Tanto que, nesta sexta-feira (27/8), Cândido teve Milton Ribeiro como principal convidado de sua semana de “celebrações” pelos dois anos de intervenção. A visita, como esperada, foi alvo de protestos de estudantes e repercutiu inclusive na imprensa nacional.
Sem diálogo, sem reconhecimento das entidades representativas
Apenas em agosto de 2020 – um ano após o início da gestão/intervenção de Cândido Albuquerque – houve a primeira reunião efetiva entre a administração superior da universidade e a ADUFC. E isto porque o sindicato havia acionado o Ministério Público Federal (MPF) pedindo que o órgão estabelecesse um procedimento administrativo formal de mediação entre a entidade e a UFC, visando obter informações sobre condições de trabalho dos professores na pandemia.
Desde que assumiu ilegitimamente a função de reitor, Cândido desconsidera as entidades representativas da comunidade universitária. Chegou a disparar nota pública, institucionalmente, atribuindo ao sindicato a alcunha de “do contra” e “pequena minoria”. Para o interventor da UFC, assim como para o presidente da República, a cartilha é de aviltamento político e intelectual do debate. As acusações às entidades representativas de serem “do contra” e “pequenas minorias” também são técnicas de distorção da realidade amplamente usadas entre os métodos de propaganda bolsonaristas.
Esvaziamento dos conselhos superiores, perseguição a estudantes
A intervenção na UFC tem agido para esvaziar os conselhos superiores, seja protelando as eleições de seus membros, seja excluindo representações de segmentos inteiros, como as dos estudantes e dos técnico-administrativos, seja silenciando e cerceando falas de conselheiros/as nas reuniões dos colegiados. O autoritarismo da Reitoria da UFC agravou-se ainda mais na pandemia de Covid-19, com a deliberação de pautas relevantes por meio de plenário virtual, sem esclarecimentos, discussões ou mesmo documentações exigidas.
A expulsão dos estudantes dos conselhos é emblemática do modo golpista de atuação desse governo, em todas as suas instâncias. Cândido Albuquerque alegou fraude e, sem que houvesse provas, simplesmente não deu posse à representação estudantil. Em julho de 2021, o movimento estudantil conquistou uma vitória judicial contra o interventor. Foi reconhecida a legitimidade das eleições realizadas em outubro de 2019 para escolha de representações estudantis junto a esses colegiados. A decisão foi uma vitória contra a intervenção na universidade, já que reafirmou a autonomia do movimento estudantil e a democracia interna na UFC e impôs um limite à atuação da Reitoria, que tem agido de forma arbitrária ao perseguir e cercear a participação da comunidade acadêmica.
A reitoria, entretanto, recorreu da decisão do juiz e conseguiu uma suspensão por decisão monocrática de desembargador do TRF-5. O resultado é que os estudantes continuam sem participação nos conselhos, neste momento de pandemia em que tantas decisões que lhes dizem respeito diretamente estão sendo tomadas.
Docentes da Faculdade de Direito perseguidos e ameaçados de demissão
Em setembro de 2020, o assédio moral na universidade praticado por parte do interventor intensificou-se de forma mais explícita, a exemplo do caso contra os/as professores/as Beatriz Xavier, Cynara Mariano, Felipe Braga, Gustavo Cabral e Newton Albuquerque, todos/as da Faculdade de Direito (FaDir). Todos também representantes sindicais da ADUFC, sendo quatro deles/as membros do Instituto Latino Americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia (ILAEDPD) e integrantes da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Desde que a perseguição foi tornada pública, inúmeras manifestações de apoio aos cinco professores, vindas de entidades representativas locais e nacionais, partidos políticos e movimentos, circularam em sites oficiais e redes sociais.
Na ocasião, a tentativa de criminalização dos/as docentes em questão – e corroborada inclusive pelo diretor da FaDir – teve como instrumento cinco ações de indenização por danos morais, a indicação de uma sindicância administrativa e a abertura, pelo interventor, de PAD sem sindicância prévia, com indicação de demissão. Tudo isso fundamentado em suposta “insubordinação grave”, mas com notória natureza de perseguição política, tendo em vista, além da atuação dos/as professores/as no movimento docente da UFC, o fato de terem disputado com o próprio interventor e o atual diretor da FaDir as mais recentes eleições para a diretoria da faculdade.
Reitoria usa Avaliação de Desempenho para assediar e perseguir
Mais recentemente, em julho de 2021, a ADUFC atuou, por meio de sua assessoria jurídica, em recursos administrativos protocolados por quatro diretores de unidades acadêmicas à Comissão Permanente de Avaliação de Desempenho dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação (CPAD). Os/as professores pediram revisão de suas avaliações de desempenho, que foram prejudicadas pela administração superior da UFC – com atropelo dos trâmites legais e etapas dos processos – por terem divergido da gestão de Cândido Albuquerque em uma ou mais votações nos conselhos superiores da universidade.
Foram alvos de mais uma tentativa de perseguição e intimidação por parte da Reitoria da UFC: o Prof. Cícero Anastácio Miranda, diretor do Centro de Humanidades (CH); o Prof. Gabriel Paillard, diretor do Instituto UFC Virtual; a Profª. Heulalia Rafante, diretora da Faculdade de Educação (FACED); e a Profª. Regina Célia Monteiro, diretora do Centro de Ciências (CC). Os quatro docentes tiveram as notas da Avaliação de Desempenho rebaixadas pela administração superior, que apresentou motivos inconsistentes e contraditórios para o parecer e não ofereceu direito de resposta aos/às professores/as.
A avaliação negativa inconsistente expôs, mais uma vez, o assédio, a falta de diálogo e o desconhecimento da Reitoria da UFC sobre suas Unidades Acadêmicas. Em todos os casos que já chegaram ao conhecimento da ADUFC ao longo desses dois anos de intervenção, o sindicato vem dando apoio aos/às professores/as perseguidos/as. Esse tipo de perseguição, no entanto, conturba o ambiente de liberdade e de produção de pensamento crítico, que é próprio da universidade.
Desfiliação da ANDIFES: decisão unilateral e arbitrária
Em 29 de julho último, uma ação envolvendo cinco gestores de universidades federais resultou em um pedido de desligamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES). No grupo de dissidentes, todos/as alinhados/as com o presidente Jair Bolsonaro, está Cândido Albuquerque. A decisão unilateral foi mais uma ação arbitrária do gestor – já que, para se desfiliar da entidade, na qual participava com função institucional, seria necessária a apreciação do Conselho Universitário (CONSUNI), o que não ocorreu. A desfiliação da UFC da ANDIFES foi mais um ato monocrático do interventor.
ADUFC segue na resistência
Um programa nacional velado de destruição da gestão democrática nas instituições sob intervenção segue em curso. E os atos autoritários, abusivos e, muitas vezes, ilegais, de dirigentes interventores/as plantados pelo governo de Jair Bolsonaro são prova disso.Entre as inúmeras ações e ferramentas de denúncia à sociedade e luta contra os ataques que estão postos, a ADUFC-Sindicato também vem promovendo diálogos públicos permanentes com juristas renomados nacionalmente. O objetivo é colocar em evidência os princípios constitucionais da gestão democrática do ensino e da autonomia universitária diante do avanço do autoritarismo promovido pelo governo federal, inclusive dentro da UFC.
Desde seu início, o (des)governo de Jair Bolsonaro, vem sufocando as universidades públicas. Reduz orçamentos, desmonta as condições de pesquisa e produção de ciência no país, corta drasticamente bolsas de estudo, ameaça a carreira docente com a reforma administrativa. A UFC, no entanto, vem sendo atingida com especial agressividade enquanto atravessa o processo de intervenção. A ADUFC-Sindicato segue em incansável luta política e jurídica, inclusive em articulação com outras entidades, na tentativa de limitar o máximo possível as investidas autoritárias da intervenção na UFC.