Uma forte repercussão em defesa do restabelecimento da autonomia universitária e contra o autoritarismo na Universidade Federal do Ceará (UFC) – que está sob intervenção há pouco mais de um ano – vem movimentando a comunidade acadêmica e a sociedade brasileira, após denúncia pública, nesta quinta-feira (17/9), sobre o assédio moral e a perseguição política a cinco professores/as da Faculdade de Direito (FADIR). Todos/as os/as docentes em questão são também representantes sindicais da ADUFC, que está organizando a criação de um observatório permanente para denunciar e evitar o assédio moral e a perseguição política nas universidades federais no estado. Também está prevista uma Assembleia Geral a ser convocada pelo sindicato na próxima semana, em data a ser definida.
Os/as professores/as doutores/as Beatriz Xavier, Cynara Mariano, Felipe Braga, Gustavo Cabral e Newton Albuquerque, que integram o corpo docente da FADIR, estão sofrendo perseguição motivada por atuação política e sindical. Quatro deles/as são também membros do Instituto Latino Americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia (ILAEDPD) e integrantes da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). O assédio vem sendo praticado pelo atual diretor da FADIR, Maurício Benevides, e pelo interventor da UFC, Cândido Albuquerque.
Neste mês de setembro, a Diretoria da Faculdade de Direito da UFC instaurou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) imputando aos referidos docentes prática de “insubordinação, descumprimento de deveres funcionais e indisciplina”, puníveis com demissão do serviço público. Além disso, está em curso procedimento para abertura de sindicância administrativa contra dois deles, ambos membros da Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Cynara Mariano e Gustavo Cabral, este também diretor da ADUFC. A Profª. Cynara também é integrante do Conselho Universitário (Consuni) da UFC, representando a Extensão Universitária. A sindicância administrativa tem por objeto atos de credenciamento de novos professores no Colegiado do PPGD.
Os cinco professores perseguidos e a ADUFC pediram ao Ministério Público Federal (MPF), em dois procedimentos distintos, recomendação para trancamento imediato de todos os processos, sob pena de apuração das condutas por improbidade administrativa e abuso de autoridade.
A diretoria da ADUFC também repudiou a perseguição em nota lançada ontem e já está tomando providências para a criação de um observatório permanente para denunciar e evitar o assédio moral e a perseguição política nas universidades federais no Ceará. A ideia é que ele seja construído numa composição conjunta em que devem ser convidadas entidades e órgãos como MPF e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), movimentos docente e discente, além de representantes do poder legislativo nas três esferas (municipal, estadual e federal). “Nosso intuito é proteger nossas universidades, seus professores e toda a comunidade acadêmica, incluindo aí servidores e estudantes, de repetidos casos futuros repetidos e eventuais de assédio moral e perseguição política”, explica o Prof. André Ferreira, membro da direção da ADUFC.
Conselho Estadual de Direitos Humanos alerta para “autoritarismo e obscurantismo”
Também saiu na defesa irrestrita dos dos/das professores/as Cynara, Beatriz, Newton, Gustavo e Felipe o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CEDDH), que os/as aponta como “respeitados/as pesquisadores/as e profissionais do Direito que contribuem notadamente com a produção do conhecimento e a construção da afirmação dos direitos humanos no Ceará”. O Conselho destaca, ainda, a atuação sindical dos/as docentes e o apoio deles/as aos movimentos e organizações da sociedade civil, “como também contribuem sobremaneira junto a instâncias colegiadas de controle social de políticas públicas, sendo condição democrática que sigam com liberdade nesta construção da ciência e de nossa sociedade”.
Para o CEDDH, o expediente de criminalização é uma afronta aos direitos humanos, à liberdade de manifestação, à livre expressão, à liberdade de atuação sindical, à crítica científica e política no ambiente acadêmico. “É preciso ampla atenção e mobilização da sociedade civil cearense para não permitir que prospere o autoritarismo e o obscurantismo em um espaço de excelência das liberdades, das garantias do Estado do Direito e de respeito e promoção aos direitos humanos, como devem ser as universidades alinhadas com o que fundamenta a democracia”, afirma o Conselho.
Professores da UFC recebem apoio local e nacional
Desde que a perseguição foi tornada pública, inúmeras manifestações de apoio aos cinco professores, vindas de entidades representativas locais e nacionais, partidos políticos e movimentos, circularam em sites oficiais e redes sociais. A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e seu núcleo no Ceará manifestou a “mais irrestrita solidariedade política e jurídica” aos docentes.
A ABJD classifica como “graves” as denúncias de assédio moral, transgressão de prerrogativas funcionais e violação de seus direitos fundamentais, por parte do diretor da FADIR/UFC, Prof. Maurício Benevides, e do interventor da universidade, Prof. Cândido Albuquerque. Através de nota de repúdio divulgada ontem (18/9), a entidade enfatiza que Albuquerque vem se conduzindo à frente da instituição pública UFC “de maneira inadequada, antirrepublicana e personalista” e reitera que ele foi “imposto à UFC pelo governo Bolsonaro”.
O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) destaca que a UFC é uma das dezenas de Instituições de Ensino Superior (IES) que “sofreram um duro golpe na nomeação da escolha democrática pelos três segmentos universitários”. O governo Bolsonaro nomeou o último colocado da lista tríplice, Cândido Albuquerque, “com votação pífia de 610 votos na consulta pública” – relembra a entidade, também via nota de repúdio divulgada ontem.
“O ANDES-SN manifesta sua solidariedade à(o)s docentes perseguidos e perseguidas e se coloca à disposição para adotar medidas para garantir o pleno desenvolvimento de suas atividades acadêmicas e de pesquisa”, finaliza a nota. Em janeiro de 2018, o 37º Congresso do Sindicato Nacional aprovou a criação de uma Comissão de Enfrentamento à Criminalização e à Perseguição Política a Docentes, com a presença de sua Assessoria Jurídica Nacional.
Já a Secretaria Regional no Ceará da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC-Ceará) faz um “alerta à comunidade científica e educacional, bem como à nação brasileira”, em referência ao que classifica como “violentos espasmos de autoritarismo, incompatíveis com as tradições acadêmicas de livre discordância e debate de ideias”. Para a entidade, vem ocorrendo na UFC uma deslegitimação dos processos administrativos autônomos travestidos de repercussão disciplinar. Na mesma nota de protesto, a SBPC-CE também solicita à Reitoria da UFC “providências imediatas em sustar os processos disciplinares movidos contra os referidos docentes e trazer a Instituição de volta à sua tradição de zelo pelo direito à liberdade de opinião e manifestação”.
Com mais esses recentes episódios de autoritarismo na UFC, o Coletivo Graúna – Professores por uma Educação Democrática apontou a necessidade de uma articulação nacional de professores universitários contrários aos abusos “que, se não encontrarem resistência, criarão ainda maiores perigos para toda a sociedade cearense e brasileira”. O Coletivo organizou um manifesto em defesa dos/as docentes da FADIR/UFC que, até a noite de ontem, já contava com mais de 300 assinaturas. “Os atos ilegais e abusivos destes dirigentes evidenciam um recrudescimento do autoritarismo nas instituições de ensino superior, tornando interna ao funcionamento da universidade a ignorância prepotente que caracteriza a política brasileira neste momento”, denuncia o grupo. O Coletivo disponibilizou um e-mail para professores/as de instituições de ensino superior que desejem assinar a nota: coletivograuna@gmail.com.
Outras entidades e movimentos que também já declararam apoio aos docentes da Faculdade de Direito da UFC e denunciam o autoritarismo da Direção da FADIR e da Reitoria da universidade: Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Ceará (DCE-UFC); Conselho do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará (CH/UFC); Associação de Pós-Graduandos (APG/UFC); Faculdade de Educação (FACED//UFC); Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Federais do Estado do Ceará (Sintufce); Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Ceará (SindUece); Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará (Sindjorce);
Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Fortaleza e Região Metropolitana (STICCRMF); Fórum Permanente em Defesa do Serviço Público – Ceará; Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC), Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD-CE); Executiva Municipal do Partido dos Trabalhadores (PT); Executiva do Partido Socialismo e Liberdade (Psol-Ceará); e Movimento Kizomba.
Discentes da PPGD preocupam-se com potenciais danos ao Programa
A notícia dos PADs e das ações contra os cinco professores também causou “surpresa e estranhamento” perante a Representação Discente do Programa de Pós Graduação em Direito da UFC (PPGD/UFC). Nesta sexta-feira (18), o grupo atestou que os docentes perseguidos pela Direção da FADIR e pela reitoria “atuam de forma incansável para o sucesso do PPGD/UFC, seja em atividades acadêmicas típicas como ensino e pesquisa, seja na tentativa de aperfeiçoamento da gestão do programa, bem como possuem comunicação aberta e franca com os alunos desta instituição”.
Três deles são membros da coordenação do programa – Gustavo Cabral, Cynara Mariano Felipe Braga. Já o Prof. Newton Albuquerque é citado como “intenso colaborador com o PPGD” pelos discentes, que lembram ainda que a Profª. Beatriz Xavier é ex-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos. Os discentes do PPGD também manifestaram preocupação em face dos potenciais danos que as ações contra os professores podem gerar sobre o Programa.
Perseguição a acadêmicos e universidades é monitorada internacionalmente
Em dezembro do ano passado, foi divulgado um relatório internacional que monitora a perseguição a acadêmicos e a universidades em todo o mundo. Chamado Free to Think (“Livre para pensar”), ele já possui cinco edições publicadas e já teve estampadas em sua capa fotos do Irã, da Turquia, do Paquistão e Egito. Na edição de 2019, quem ocupa a primeira página do relatório é o Brasil. O relatório é produzido e publicado anualmente pela rede internacional Scholars at Risk (“Acadêmicos em Risco”), uma organização sem fins lucrativos da Universidade de Nova York.
“Há algo acontecendo e precisamos olhar para isso. Não quer dizer que há um grande problema, mas significa que precisamos analisar. E, quando olhamos, uma parte dos incidentes foi muito bem pronunciada por representantes do governo ou políticos no Brasil. Algumas destas falas circularam pelo mundo”, disse o diretor executivo da Scholars at Risk, Robert Quinn, em entrevista à BBC News Brasil à época da divulgação do mais recente relatório. Quinn é doutor em Filosofia e tem uma trajetória de prêmios e passagens por organizações dedicadas à promoção científica e aos direitos humanos. A matéria completa publicada sobre o relatório pode ser acessada através do link da BBC News Brasil (em português).
PARA ENTENDER O CASO:
Abaixo, um breve resumo dos fatos relativos à perseguição dos professores da Faculdade de Direito da UFC por parte da administração superior
AGOSTO/2019
Consulta pública para Diretor/a da Faculdade de Direito (FADIR) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Chapa Gustavo Cabral/Beatriz Xavier – maioria de votos, porém não eleitos.
Voto ponderado elegeu Prof. Maurício Benevides e Profª. Camila Freitas segundo regras institucionais.
ABRIL/2020
Uma representação foi movida pela ADUFC e professores da FADIR/UFC Beatriz Xavier, Cynara Mariano, Felipe Albuquerque, Gustavo Cabral e Newton Albuquerque no Ministério Público Federal (MPF) contra as portarias 10 e 12 da FADIR/UFC que, respectivamente, versavam: sobre as atividades pedagógicas no período da pandemia pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) que determinavam que os professores da referida faculdade deveriam “desenvolver atividades de ensino remoto mediante a criação de ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) valendo-se das plataformas de sua preferência (SIGAA, SOLAR, FACEBOOK, WHATSAPP ETC) ou outro instrumento pedagógico de sua preferência que possibilite a interação e a comunicação com seus alunos” (Portaria 10); e sobre a criação de comissão de acompanhamento de atividades remotas no âmbito da referida faculdade (Portaria 12).
ABRIL/2020
Celebrado compromisso, por parte do diretor da FADIR/UFC, de “no intuito de regularizar pontos controversos a saber: esclarecer o caráter não obrigatório da adesão dos professores ao regime de ensino por meio remoto, durante a pandemia do coronavírus, bem como a inexistência de qualquer sanção a ser aplicada em caso de não adesão, cabendo ao professor que participar de atividades remotas retornar suas atividades normais, presenciais, quando determinado pela UFC e segundo cronograma definido por seus órgãos competentes”. Após o comprometimento do diretor da FADIR/UFC, a Notícia de Fato teve seu andamento encerrado.
MAIO/2020
Edição da Portaria nº 13/FACDIR de 6/5/2020, atendendo ao MPF, assinalando que “a adesão às atividades remotas é voluntária, inexistindo previsão de sanção de professores que não consigam ministrar aulas à distância, mantendo-se o suspenso o controle de frequência dos alunos às atividades e realização de provas ou avaliações para notas neste período”.
MAIO/2020
Ao acatar as razões do MPF, expressas no Ofício nº 1.881/2020/PRCE/NCC/GAB-AWCS e que destacam a recomendação para que a adesão ao regime de ensino remoto na FACDIR/UFC, durante a pandemia, seja voluntária e, que é importante assegurar a não aplicação de sanções administrativas aos professores que não consigam ou não queiram, por razões de aproveitamento acadêmico e forma de livre expressão do conhecimento, ministrar aulas à distância, a administração da FACDIR se colocou em consonância com o disposto no Provimento nº 02/2020 e na Resolução nº 08/2020, ambas proferidas pelo CONSUNI/UFC.#3. 04/20.
MAIO/2020
Divulgação de nota no grupo Direito UFC no Facebook esclarecendo que o procedimento no Ministério Público fora arquivado em razão do compromisso feito e cumprido pelo diretor da FACDIR/UFC, Prof. Maurício Benevides.
AGOSTO/2020
Ajuizamento, por parte do diretor da Faculdade de Direito da UFC, Prof. Maurício Benevides, de ações no âmbito do Juizado Especial Cível requerendo indenização por danos morais, alegando que, ao entrar com representação no MPF, os professores praticaram: abuso do direito de petição, insubordinação grave, denunciação caluniosa, condutas lesivas ao nome e imagem do autor, violação do dever de sigilo, entre outras acusações. Foram ajuizadas ações individuais contra cada um dos professores Beatriz Xavier, Cynara Mariano, Felipe Albuquerque, Gustavo Cabral e Newton Albuquerque.
SETEMBRO/2020
Conhecimento, por fonte anônima, da abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), instaurado pelo interventor da UFC, Prof. Cândido Albuquerque, imputando aos professores: prática de insubordinação, descumprimento de deveres funcionais e indisciplina, puníveis com demissão do serviço público.
SETEMBRO/2020
Conhecimento de abertura de sindicância administrativa tendo por objeto atos de credenciamento de novos professores no Colegiado do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da UFC, coordenado pelos professores Gustavo Cabral e Cynara Mariano.
(*) Acompanhe programa Blog da Dilma, que fez transmissão ao vivo no dia 17/9 “UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ SOB ATAQUE”, com entrevista com o Prof. Bruno Rocha (presidente da ADUFC) e a Profª. Cynara Mariano.
(**) Para ler as notas de solidariedade, apoio e repúdio publicadas até hoje (18/9) sobre a perseguição política na UFC, CLIQUE AQUI.
(Notas e matérias atualizadas às 20h do dia 28.9.2020)