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MEMÓRIAS DE QUARENTENA 26: RESPIRAR EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

Elizabeth Cristina de Andrade de Oliveira (Graduanda em Psicologia e Pastora na Igreja Metodista em Fortaleza)

“Para que tua vida respire liberdade”, este é o nome de um livro de Anselm Grün, que li há algum tempo, a falar sobre rituais de purificação para o corpo e a alma. Não sei bem por que, nesses últimos dias, ele me veio à memória. Desci o livro da estante e, por dias, mesmo “sem lê-lo”, de vez em quando, reviro-lhe as páginas e, depois, o coloco junto a alguns outros, aos quais gosto sempre de retornar. Já, em sua capa, sou remetida a um outro lugar ou, melhor dizendo, à extensão do meu lugar – uma árvore, na beira de um lago, um cadinho de terra pra pisar. Ao longe, montanhas e uma outra ilha me convidando à travessia. E, agora, tentando escrever sobre espiritualidade, nesse tempo de Covid-19, desconfio que é isso. A ilustração do livro me fala de ar, me remete ao básico da vida, àquilo que é pura graça, que passa o tempo todo nos tocando – dentro e fora. Não sabemos de onde vem e nem para onde vai e, nessa vida agitada, corrida, só percebemos que ele está, quando começa a nos faltar. Nos conecta a tudo e todos/as e, por vezes, nos sentimos um, a despeito da singularidade de cada um. Sopro, vento, espírito, Ruah… que aponta para a vida, sustentada por algo para muito além de nós, do qual não temos controle, mas participamos corporalmente, por um determinado tempo histórico, num determinado espaço, que já foram e continuarão a existir, quando, aqui, já não mais estivermos.

E é assim que penso, poder também falar de Covid-19, um vírus que nos tira o ar ou, melhor, a capacidade para res-pirar. Ataca órgãos vitais que, atingidos, encontram dificuldades para realizar tal tarefa, podendo chegar ao ponto de inviabilizar a vida para muitos e, morre-se, por não alcançar movimentos circu-lares – entrada e saída, coração para bombear, pulmões para purificar. E, quando é assim, não há respirador artificial que dê jeito. Não foi o ar que acabou, é a matéria, o corpo, que ele atravessa, que não dá conta mais de processar – oxigênio e gás carbônico. E, algo tão leve, suave, fica pesado, provocando movimentos ligeiros, apressados, que tentam buscá-lo, até que não mais… e sufocados, param.

Mas, para além do Covid, aqui a coisa ficou mais complexa e a verdade é que, de uns tempos pra cá, o ar ficou pesado e aquilo que, pelo menos a maioria de nós, fazíamos sem pensar, já não dá. Há muita poluição no ar – agrotóxicos… ódio, queimadas… medo, correria… ansiedade, abusos… fobias, invasões… pânicos, exploração…roubos… paralisação, ataques… tensão, abandono… desamparo, vírus… morte, angustia. Covardia… indignação.

Logo, ficou claro, des-coberto, que não é só o vírus que nos incapacita ao ato de respirar, de acessar esse dom gratuito. Que joelhos de policiais, espremendo ao chão o pescoço de negros, também inviabiliza a respiração, inviabiliza a vida. Que falta de condições financeiras para a aquisição de produtos de higiene pessoal, de condições dignas de moradia, falta de saneamento básico, facilitam a entrada do vírus e inviabilizam vidas. Que a falta de um Estado que pratique uma economia solidária, refletida em políticas públicas, que garantam os direitos especialmente dos vulneráveis, empobrecidos por esse sistema, inviabiliza a vida. Pior… a existência de um Estado, aparelhado num militarismo perverso, maldoso, extrativista, praticante da necropolítica, portanto, fascista, tira a liberdade, represa o ar, sufoca. Interessante, que a asfixia é uma das práticas de tortura mais utilizada, por aqueles que sentem prazer em testar o limite da vida e da morte, do/a outro/a. E, assim, “de repente” vem à consciência: – Querem nos matar! E, estão a nos torturar…

Mas ainda existe ar puro e o vento continua a soprar, continua a ventilar a terra e a nos atravessar. E aí, pedimos: Não cesses! Não se retire. Muitos dão outros nomes a esse vento – religiosos ou não, reconhecendo-o como doador da vida… E aqueles que a essa dimensão humana se conecta, nunca mais a deixa, pois passa a compreender que o ser humano é constituído biopsicossocial e espiritualmente, tornando imprescindível encontrarmos boas maneiras de nos relacionarmos conosco e com o cosmo. Mas há que se saber que ventos acessamos, que ventos sopram, que ares levamos… Discernir os espíritos, através de suas práticas visíveis, materializadas, é de extrema importância para a sobrevivência, pois a grande maioria das questões exigem ações nas perspectivas preventivas, remediativas e curativas.

Assim, em meio a essa pandemia, procurando espaços onde eu tenha mais liberdade para respirar ar puro, também oro: Sopra Espírito bom, Santo e com sua força, renova a terra, para que a vida lhe seja possível e, por que não, abundante. 

Seção sindical dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará

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