Rafaela Nóbrega (Psicóloga do Hospital Universitário Walter Cantídio/UFC)
No começo do mês de março, quando as notícias falavam que o novo coronavírus estava se espalhando pelo mundo, eu pensava que seria algo como o Ebola, ou seja; no início as pessoas se assustaram, muita gente morreu, mas o vírus foi contido. Eu também pensava que, quando chegasse ao Hospital Universitário Walter Cantídio/UFC, onde trabalho, seria como tantos casos de H1N1, tuberculose ou bactérias multirresistentes que atacam nossos pacientes. Mas não.
Antes do vírus chegar em Fortaleza, uma amiga que está morando em Portugal me contou de como estavam as coisas por lá, sobre a suspensão das atividades, o isolamento social e as advertências para quem saísse de casa sem uma boa justificativa. Ela dizia que se sentia no futuro em relação ao Brasil, com vontade de alertar as pessoas sobre a seriedade da pandemia, mas tinha a sensação de que as pessoas não acreditavam que pudesse chegar aqui também. Depois, o Brasil chegou àquela etapa do futuro: muitos casos de infecção, pessoas morrendo, o sistema de saúde correndo para se preparar para poder atender o maior número de pessoas possível.
Chegou um momento em que eu sentia como se estivesse ventando forte, como quando a natureza avisa que vai chegar um furacão. Algumas pessoas começaram a se preparar, enquanto outras continuavam a vida como se não fosse nada demais que estivesse para acontecer. O H.U. também começou a se preparar. Foi uma dança das cadeiras! Consultas ambulatoriais e cirurgias eletivas desmarcadas. Profissionais remanejados. Reforma para preparar o que era a enfermaria de pediatria, com lindas paredes desenhadas, em enfermaria de isolamento com UTI para receber o que agora é imperativo: pacientes com SARS-COV-2. O Hospital estava se preparando para a guerra. É essa a expressão usada: guerra.
Existem hospitais de campanha, profissionais da linha de frente, da retaguarda, um arsenal montado para impedir o avanço do inimigo. Inimigo invisível que não sabemos exatamente onde está e nem quando irá atacar. Eu nunca pensei que, como Psicóloga, faria parte de um exército. Em vez de atuarmos com Psicologia Hospitalar, como é habitual, nos deparamos com a necessidade de aprender sobre Psicologia de Desastres e Emergências. A diferença entre realizar um atendimento de Primeiros Socorros Psicológicos em situações de desastre e emergência, para atuar numa pandemia, é que nós também estamos na mesma guerra. O medo do outro também é meu. Medo de ficar doente, medo de ser vetor, medo de que pessoas queridas adoeçam. O medo é um mecanismo de defesa necessário à manutenção da vida, mas precisamos ficar atentos para que ele não cresça além da conta a ponto de causar mais sofrimento e nos paralisar. O medo ajuda a seguir orientações como: ficar em casa, lavar as mãos, não tocar no rosto e, no trabalho, ter todo o cuidado com o uso dos EPI’S.
Quando estou em casa, eu me sinto segura. Sinto como é bom poder ficar em casa, por ser o ambiente no qual eu posso ter a sensação de controle de que, ao entrar e fazer meu protocolo de desinfecção, posso me sentir limpa e ficar tranquila. Por isso, quem pode ficar em casa, DEVE ficar em casa. Cada um deve se cuidar para se proteger e proteger as outras pessoas. Hoje, o autocuidado, na verdade, é coletivo.