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MEMÓRIAS DE QUARENTENA 07: COVID-19 E RACISMO

Veriana Colaço (Professora da UFC)

Tem sido dito que o coronavírus é democrático, porque atinge ricos e pobres, brancos e pretos, homens e mulheres, jovens e idosos, com diferentes graus de gravidade. Esta ideia logo foi se desvelando como uma falácia, ao serem consideradas as estatísticas que relacionam número de pessoas infectadas pelo coronavírus e número de óbitos em determinados territórios. É então quando a democracia do vírus começa a desandar. Vamos recuperar essa história e o caminho que o vírus tem percorrido.
Falemos então do Brasil. Como o vírus chegou até nós? Estávamos em tempos de final de fevereiro, retorno das viagens internacionais de férias dos economicamente abastados, e com eles desembarca também o vírus. Entrávamos na rota da contaminação. Mas essa contaminação ainda se restringia aos que tinham contato com esses viajantes, isto é, os afortunados.

Contudo, a ação mais poderosa do vírus é sua disseminação progressiva. Assim, ele começou a se espalhar rapidamente, atingindo um número cada vez maior de pessoas dos bairros nobres das grandes cidades, onde estavam esses que retornavam para suas casas e eram recebidos com abraços e beijos por amigos e parentes. Em março, a pandemia, então, se instala entre nós brasileiros.

Na sua democrática expansão, o vírus ultrapassa esses limites territoriais e chega à periferia, quando acontece a contaminação comunitária, isto é, contaminação entre pessoas não vindas de fora do país ou de cidades já infectadas. É quando as desigualdades começam a se manifestar. As estatísticas se apresentam com índices mais altos entre os bairros de maior IDH, mas a relação entre o número de infectados e o de óbitos revela que o vírus atinge todas as camadas sociais, mas os seus efeitos e o enfrentamento com políticas para o seu combate, não são vividos da mesma forma por todos. Fica claro, então, que, numa sociedade neoliberal e de capitalismo extremado, a democracia efetivamente não acontece. Assim como nas outras dimensões da vida, não há democracia alguma nesta pandemia que estamos presenciando.

É pelas condições de vida, de moradia, de acesso à informação, acesso ao atendimento em saúde, condições para o isolamento social e condições para manter a higiene pessoal, requisitos indispensáveis para controlar a disseminação e agir contra este vírus letal, que vamos constatar o racismo presente e as consequências desiguais estampadas no cotidiano dos brasileiros. A letalidade maior do vírus está entre as populações pobres e subalternizadas, cuja maioria é de negros.

Não é sem entendimento das consequências que o presidente que desgoverna este país, continua com seu discurso na defesa do não isolamento social e de minimização da ação do coronavírus. Ele, em sua campanha eleitoral, já dizia, sem qualquer pudor, que se morressem 30 mil pessoas – de determinadas camadas sociais, como fica claro em seus discursos -, isso não o preocupava, pois, para ele, era apenas um processo de seleção natural. Vive quem tem condições, os que não têm podem e devem morrer. Assim atua sua ideologia neoliberal e sua conduta perversa, dominada pelo ódio aos pobres, aos negros, aos índios, aos homossexuais e a todos que não estão contribuindo diretamente para o crescimento desenfreado do capital financeiro. É a necropolítica com toda sua força que desvia a suposta democracia do vírus e atinge sem limites essas populações, aí se expressando o racismo com o genocídio seletivo da população pobre brasileira, que é majoritariamente negra como afirmamos antes.

Os indicadores estatísticos atestam este fato. Focando na nossa realidade mais próxima, tomando apenas os dados de Fortaleza como amostra, os números são muito expressivos. Enquanto os bairros com maior IDH têm os altos índices de contaminação, contraditoriamente o maior número de óbitos está nos bairros de menor IDH. A Escola de Saúde Pública do Ceará publicou no dia 11 de abril informações a respeito, que trago apenas os dois extremos. Bairros com IDH muito alto registravam 308 casos confirmados de Covid-19 e 8 era o número de óbitos. Na outra ponta, bairros com IDH muito baixo já estavam contabilizando 332 casos confirmados e 22 mortes. O que estes dados nos informam? Em primeiro lugar, que a disseminação do vírus parece seguir para o controle entre os ricos e se alastra com velocidade crescente entre os mais pobres. E em segundo lugar, que a assistência à saúde é evidentemente diferenciada para essas duas populações. Isto é muito fácil de entender pela lógica capitalista que nos domina. Quem são as pessoas que podem manter o isolamento social? Quem são as que têm preferência para o atendimento hospitalar e para a disponibilização dos leitos de UTIs e dos respiradores? Quais são os que vivem em condições de habitação com sistema de esgoto, com possibilidade de manter a higiene e o distanciamento necessários para evitar a contaminação do vírus? Não são todos que usufruem dessas condições que permitem enfrentar a pandemia do Covid-19 sem ser contaminado ou passar por ela sem perecer.

A desigualdade abissal e o racismo que marcam o nosso país, nosso estado e a nossa cidade estão aí expostos com todas as suas nefastas consequências. É, sem dúvida, compreensivo, mas não aceitável, o comportamento de subversão ao isolamento social vindo das elites e dos abastados, porque continuarão se protegendo, inclusive nas carreatas e manifestações enlouquecidas dos últimos dias, estão atentos e em seus luxuosos carrões blindados se preservam da contaminação. Mas propagam o retorno ao trabalho de quem sustenta suas riquezas e lucros, com a alegativa de que “o Brasil não pode parar”, que traduzo por: os trabalhadores não podem parar, não importa se isto os leve à morte. Os que morrerem serão facilmente substituídos pelo contingente de desempregados que está a espera da primeira oportunidade de trabalho que apareça.

É indispensável e urgente que as pessoas entendam a gravidade da situação que vivemos, a iminência do colapso do sistema de saúde e que só temos, por enquanto, o isolamento social como medida efetiva de controle do Covid-19 para não chegarmos ao caos e à constatação da massificação das mortes.

Por Isso, PERMANEÇAM EM SUAS CASAS e preservem as suas vidas e a vidas dos outros.

Seção sindical dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará

Av. da Universidade, 2346 – Benfica – Fortaleza/CE
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